As Crônicas de Segunda deviam acabar
On August 8, 2022 | 0 Comments

Mas aqui estamos novamente, mais uma segunda, esticando as tetas desta vaca-seca até que se arrebentem, e o motivo para isso é só um orgulho bobo em não deixar a peteca cair. Como se eu precisasse provar algo para algum dos cinco visitantes que essas palavras recebem todo mês. Valeu, meus queridos, vocês são ótimos, eu que ando um trapo.

É como tratar um tumor no cérebro com um band-aid. A morte já foi decretada, mas a gente estica o adesivo na testa, com um beijinho prometendo que tudo vai ficar bem. Sei que estou me agarrando aos pequenos detalhes desta rotina da mesma forma que um naufrago faria aos destroços do Titanic. Não adiantou nada para o Jack, embora tenha dado certo para Rose, que além de se livrar de um marido mala, escondeu da melhor forma possível um escândalo para a sociedade da época. Vai me dizer que você nunca pensou sobre isso? Eu sim.

Talvez por causa desses pensamentos aparentemente aleatórios eu continue vindo aqui a cada quinze dias, ou talvez eu simplesmente goste de ouvir o barulho do teclado enquanto tiro o freio dos pensamentos e deixo tudo fluir, sem censura nem pausa. Talvez seja esse movimento continuo de arrasto que me mantenha preso nessas linhas, o navio que nem deus afundaria preso na linha reta para o iceberg, mas isso já não são crônicas, são só ladainhas. Esse amontoado de vozes trabalhando em minha cabeça de forma que não consigo pensar em mais nada e isso. Passo o dia desejando o silêncio e quando o encontro fico aterrorizado em não ouvir nada.

De todas as drogas possíveis, escolhi o ódio como fuga. Eu odeio por passatempo.

Tenho bebido e pensado no futuro e por conta disso estou procurando um futuro que me agrade. Um que eu não trabalhe dezesseis horas por dia e que tenha realmente alguma coisa para falar com os outros. Não sei exatamente qual seria esse. Se fecho os olhos sinto o balanço do mar e o cheiro da maresia, mas nunca consigo me enxergar. Os pássaros voando sobre minha cabeça estão me saudando, ou vigiando a minha carne? É difícil dizer.

Também é difícil pensar no amanhã quando não se tem sonhos e eu me dei conta de que não tenho mais nenhum, exceto, talvez, não precisar mais me preocupar tanto. É genérico, eu sei, mas estou sempre preocupado com alguma coisa e queria que isso acabasse em algum momento. É por isso que me preocupo com um futuro em que eu não precise me preocupar com nada. De preferencia um que venha antes da morte, onde as preocupações de todos finalmente acabam.

Dia desses me encontrei com amigos que não via desde antes da pandemia e entre deliciosas massas e jarras de sangria, comentei sobre o novo físico da minha amiga, que tinha aparecido de uma hora para outra com algumas dezenas de quilos a menos. Na conversa sobre seu tratamento, ela comentou sobre como durante a pandemia vinha tentando preencher o vazio com comida. Era seu passatempo, válvula de escape, momento de recompensa. Ela me disse que até os 40 minutos que gastava deslizando pelo iFood em busca de alguma novidade era uma forma de não olhar o que havia de errado na vida. Enquanto ela falava, eu ajeitei o meu cinto que começa a cortar a barriga protuberante pensando que eu fazia o mesmo. As vezes com comida, muitas vezes com bebida, mas a maior parte do tempo com discussões sem sentido na internet. De todas as drogas possíveis, escolhi o ódio como fuga. Eu odeio por passatempo.

As Crônicas de Segunda deviam acabar |
Photo by Nubelson Fernandes on Unsplash

“Ao invés disso, você devia estar escrevendo”. É a frase que queria tatuar no meu braço, para me lembrar do que importa quando tudo parece uma merda. Ao invés de acumular livros que não vou ler, ou assistindo séries das quais mal me lembro depois. Escrever, de alguma forma, preenchia esse vazio e é por isso que não escrever dói tanto, mas não consigo encontrar outra solução para esse buraco. Um que eu pudesse fazer na varanda de casa e envelhecer sem pensar em nada, como esculpir gatinhos de madeira, tricotar polvos para recém nascidos, gorros para cães de rua. Jogar xadrez com um adversário invisível ou fumar para encurtar uma vida besta.

Sem outra solução, velho demais para fazer sapateado, continuo vindo aqui e tentando, mesmo achando tudo ridículo e prometendo que será a última vez, como um crakudo das palavras alimentando a sua grafomania.

Não tem jeito não. Eu sei que paro quando quiser ou até que encontre uma droga melhor que dê um barato novo. Não tenho amor, tenho obsessões e preciso encontrar uma que me mate um dia antes que eu me entedie com ela. Faz sentido? Só para quem tem alguma coisa que deseja fazer até o fim dos seus dias. Alguns viagem, outros fazem música, uns poucos ganham dinheiro, e os mais bonitos cuidam do jardim. Eu escrevo e odeio em proporções cada dia mais iguais. Um deles um dia irá me matar. Talvez seja numa próxima segunda.


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