Subindo pelos telhados
On May 16, 2023 | 0 Comments

Completamente equilibrado em um palito-de-dente três metros acima da minha cabeça, o rapaz diz que o madeiramento do telhado está podre.

– Está podre e você está pisando nele! Vai cair daí, maluco! – Grito puto.

Ele ri com a ousadia dos jovens. Diz que sabe onde pisar. Em dois minutos já está pendurado em outro lugar. Vai assim de um lado para o outro, à vontade onde não devia estar.

Do chão, onde era seguro, eu olhava a linha reta da calha nova, faiscando a luz no corredor enquanto tomava chá, sentindo uma alegria bastante rara nos dias de hoje. Desde que me mudei para essa casa a calha dava problemas, toda vez que tentava resolver, os problemas pioravam. Vontade de resolver nunca me faltou, eu só não conseguia ninguém disponível que soubesse o que estava fazendo.

– Seu Diego, vou resolver o problema de umidade da parede do fundo para o senhor. – Ouço a voz do rapaz vinda do além.

Olho para cima e tomo um susto com ele de pé em um canto que não sei como tinha chegado.

Começo a perguntar como sabe que tenho problema de umidade naquela parede, já que não comentei nada e todos os pedreiros quiseram me rasgar o rim, para rasgar a parede e acabar com o problema que é viver literalmente sobre um rio, mas sou esperto o suficiente para rimar Ré com Cré e só peço para fazer o orçamento do que precisa.

Foi apontando probleminhas e trazendo soluções que o garoto ganhou minha confiança e o que era para ser um dia de trabalho, caminha para o terceiro.

Não falta vontade, nem conhecimento. Falta foco. Esta na cara o quanto o rapaz gosta do que faz, o problema era querer fazer tudo ao mesmo tempo, e piorava quando pegava o telefone para resolver o problema dos outros, mas eu não conseguia me irritar. Nessa altura da minha vida seria até hipocrisia, embora ainda seja fiel ao mantra: “prazo é prazo”, conhecia a sensação de me empolgar com um trabalho e só de ver que as coisas estavam fluindo já estava satisfeito. O cheiro de problemas sendo aniquilados me dá até fome.

Ontem eu estava pendurado em duas reuniões quando o rapaz e seu parceiro chegaram de cabeça baixa, como dois garotos que brigaram na escola. Eu cumprimento rapidamente e mando entrar, sem poder sair do lugar, mas já sei que ouvirei notícias sobre atraso. Pelo horário, vieram só para se desculpar.

Termino a reunião surpreso ao ouvir o barulho das ferramentas e lá estão eles colocando outra calha no lugar. Pedem desculpas, ficaram presos em outro trabalho, eu dou uma ralada de leve, mais para aprendizado do que por incômodo. Ele diz que vai terminar o telhado menor e deixar o maior para o dia seguinte e eu explico por que ele não pode fazer isso, porque se ele cortar as telhas novas para o telhado menor e as telhas do maior quebrarem, a gente vai precisar de mais telhas. Ele concorda, sem cerimônia.

– Tudo bem, seu Diego! Vou deixar as calhas no lugar e amanhã venho e termino as telhas então. Sem problema.

Em cinco minutos já está novamente empoleirado em alguma posição saída dos quadrinhos do Stan Lee, uma makita na mão e nenhum sentido de perigo na cabeça. Eu volto para as minhas reuniões e prazos e coisas que eu já não sei se gosto tanto assim, mas vou seguindo. Também perco o andar das horas.

– É seu Diego, você tinha razão! – Saio na porta da cozinha com outra caneca fumegante de chá e dou de cara com um quintal completamente descoberto.

Nenhuma telha no lugar. Pela primeira vez me dou conta de como o espaço acima da minha cabeça é feio por conta dos muros expostos ao meu redor. A mente já começa a trabalhar em formas de melhorar aquilo enquanto, o rapaz me mostra o que sobrou das telhas de plástico: lascas e navalhas. Eram muito antigas e ressecadas. Se quebravam ao simples toque.

– Vou precisar de mais três telhas, oito metros de cano, dois joelhos de 45… – A lista foi se desenrolando como se eu tivesse um gravador ligado no bolso.

Pedi para ter calma e esperar eu buscar papel e caneta, anotei a lista, revisei, pedi para medir novamente, corrigi. Olhei para o céu azul gelado lá em cima e pensei no quanto tudo aquilo me daria alegria quando estivesse terminado.

– Sem isso não dá para terminar o serviço.

Olhei para a lista novamente. As telhas eram uma imprevisibilidade, sabia disso, mas o resto do material parecia correto com o projeto e ele não tinha me pedido aquilo antes. Nunca me questionei onde estavam os canos de escoamento, e talvez tenha sido esse o meu erro, mas…

Respirei fundo. Olhei para o relógio. O dia tinha acabado. Restava apenas o dia seguinte. Balançando o pé sobre uma coluna de tijolinhos lá no alto, Peter Parker estava prestes a ganhar prazo no Clarim.

– O senhor me avisa quando as peças chegarem?

E foi assim que finalmente entendi o que minha mãe sentia quando me lembrava que precisava de cartolina para o dia seguinte. Peguei a lista, o telefone, o desafio e tomei outro gole do meu chá de gengibre.

– Amanhã pode chegar cedo que vai estar tudo aqui, pode deixar.

Nos despedimos. Outro dia de prazo perdido. Olhei para a lista e o abismo me olhou de volta, mas eu iria vencer aquele desafio. Questão de honra. Deve ser por isso que estou acordado desde as cinco da manhã esperando ouvir quem chega primeiro, o caminhão de entregas, ou a moto do homem-aranha.

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