A primeira vez que eu chorei no banheiro, foi por causa de uma garota que ferrou com o meu psicológico. A segunda vez foi por causa do trabalho. Talvez seja estranho imaginar que alguém possa chegar ao ponto de se trancar em casa, se sentar no chão do box, tremendo e chorando por causa de um punhado de papéis empilhados em uma mesa, mas a distância entre a super produtividade e a mais completa exaustão está a um telefonema de distância.
Fazia tempo que eu sentia o peso de carregar o escritório todo nas costas. No começo tudo era novo e eu oscilava entre a sensação de que não daria conta e o desejo de me superar, mas no fim ficou óbvio que eu estava sendo explorado mesmo, como todo estagiário já foi explorado em algum momento de sua vida. Horários ruins, responsabilidades absurdas, um salário ridículo e a obrigação de estar sempre certo.
O álcool ajudava. As festas de fim de semana eram obrigatórias. Qualquer coisa servia para não colocar a cabeça no travesseiro pensando no trabalho e não acordar no meio da noite, para ligar em uma gráfica e pedir uma última conferência ao pessoal do turno da noite.
Um dia eu desmontei. Meu corpo não aguentava mais e eu não conseguia entender porquê estava chorando. Naquela semana eu me demiti. Foi a melhor sensação do mundo, mesmo que eu não soubesse de onde viria a grana para pagar a próxima mensalidade da faculdade.
Queria dizer que aprendi minha lição, mas estaria mentindo. Foi apenas a primeira vez em que o trabalho me livrou ao limite, mas houveram inúmeras outras. Turnos de 36 horas sem ir para casa, viagens de ônibus para conhecer fornecedores em que dormi na rodoviária. Quinze minutos de soneca debaixo de uma mesa de colagem ou ressaca de sono, com direito a vomitar café expresso, na tentativa do corpo de salvar a própria vida. Já dormi 24 horas direto, já não tive energia nem para me levantar da cama, já me enrolei nos joelhos e adormeci no tapete ao lado do prato de comida, porque não tinha energia para voltar para cama. Tudo isso sem nenhum orgulho, mas com bastante coragem e uma certeza inocente que isso me faria ser reconhecido.
Em um desses empregos acabei sendo mandado embora depois que fiquei doente. Fui espremido até o bagaço e depois descartado. Também não seria a última vez.
Queria dizer que aprendi minha lição, mas estaria mentindo
Existe uma razão para as agências de publicidade modernas te deixarem trabalhar de bermuda e pendurarem uma rede em um canto para você descansar depois do almoço. Você vai passar muito tempo ali dentro, então é melhor que se sinta à vontade. O clima descolado, com direito a fliperama, pizza de madrugada e cerveja às sextas-feiras, é a isca para as mandíbulas de metal que vão te fazer trabalhar 16 horas por dia e ainda mais nos fins de semana. A armadilha é montada para os jovens. Os velhos já não tem outra opção.
Nunca tive medo de trabalhar. Também nunca tive outra ilusão de que ele me tornaria realizado em algo, exceto pagar as contas e manter o potinho das cachorras com ração da melhor qualidade. Enquanto o trabalho pagasse os meus boletos, eu estaria ali para ele. Não podia ser mais simples do que isso. Com a idade, porém, os boletos começam a ficar pesados tanto pelo valor, quanto pelo seu custo.
Na semana passada não teve Gazeta Ordinária. A edição estava completa, faltando apenas o conto inédito, mas o trabalho não permitiu. Toda noite ia dormir pensando que no dia seguinte eu iria terminar e todo dia eu acordava pronto a pagar mais alguns boletos e deixava a edição para depois. Outra semana se passou. Outra segunda. Às nove horas da noite eu desligava o computador e jantava, sentado no chão, me lembrando de outra época. Depois de um banho e uma taça de vinho, me convenci de que estava tudo bem se eu não escrevesse essa crônica. Estava cansado demais, em uma semana longa demais, com tarefas demais na cabeça.
É fácil se deixar convencer de que você não precisa de nada disso. Anestesiar-se com as desculpas e aceitar que pagar os boletos faz sentido e está tudo bem chorar no chuveiro por vezes, ou acreditar na conversa escrota de que a arte deveria ser gratuita, de que um escritor não precisa ser pago, de que está tudo bem roubar umas moedas com pirataria, já que elas não são o suficiente para fazer falta. É fácil ir dormir com a consciência tranquila por fazer seu melhor naquele dia, mesmo que o seu melhor tenha sido criar uma campanha de cigarro, ou um folheto sobre doenças de frango. Vender cartão de crédito para gente que já está endividado. Fácil se sentir importante quando a empresa não te deixa ir para casa, como uma namorada ciumenta.
Eu podia estar dormindo agora. O dia foi longo. Minha última folga foi no dia 18 de setembro e eu tenho todos os motivos do mundo para aproveitar o sono. Seria bom, amanhã eu trabalho. A taça de vinho já se espalhou pelo meu sangue e evaporou. Meus olhos piscam cada vez mais lentamente e eu sei que nada disso importa para ninguém, mas aqui estou escrevendo. Não porque é fácil, não porque me pagam por isso, não porque um chamado divino me impulsiona a fazê-lo, ou, porque uma legião de fãs está aguardando com ansiedade pelo que tenho a dizer. Nada disso. Estou aqui por mim. Porque jogar palavras no papel me ajudam a lembrar que não sou uma máquina. Escrever me ajuda a permanecer são e organizar os pensamentos. Escrever me permite evitar, chorar no chão do banheiro.
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