Em uma passagem de “O Jogador” de Dostoiévski, o personagem principal, Alexei, em uma epifania diz que os viciados em jogos como ele não são viciados em ganhar, são viciados em perder. A prova disso é que os jogadores só paravam realmente de apostar quando perdiam absolutamente tudo o que tinham. A lógica parecia inegável.
Quando eu era criança e meu pai tinha um bar na periferia de Niterói, no Rio de Janeiro, onde a sacrossanta entidade da banca do jogo do bicho ficava sob a tutela da minha mãe. A casa em ruínas que ficava anexa ao bar, além de ratos e morcegos, era lar de uma meia dúzia de fantasmas, alguns dos quais sopravam para minha mãe o resultado do jogo do bicho quando ela estava sozinha no banheiro. O dinheiro nunca foi muito, mas vinha com alguma frequência.
Meu pai, que não acreditava em fantasmas, não parecia ter tanta sorte na banca do próprio bar, mas continuou jogando, até que, anos depois, já em São Paulo, chegou a ganhar uma bolada em um jogo que infelizmente o dono da banca não repassou a central. Quando meu pai foi resgatar o prêmio, o homem desapareceu. Após se informar sobre o que fazer, os bicheiros pagaram ao meu pai o que era devido. Do coitado que roubava o dinheiro das apostas, crente que nunca seria descoberto, ninguém nunca soube mais nada. Tremenda falta de sorte.
Eu sempre fui especialista em quase ganhar. Perdia sempre por um número, um ponto, uma linha. Estava sempre no limiar de ficar rico e mudar de vida, mas sem que isso nunca acontecesse de verdade. Bingo, jogo do bicho, loteria, sorteios, minha sorte era sempre a mesma, o que me ajudou a não fazer do jogo um hábito. Tenho amigos com sorte, tenho amigos com dinheiro, eu tenho tendinite e um cansaço quase crônico, para pagar os pecados que eu cometi nesta mesma vida.
Isso não me impede de, vez por outra, alimentar o sonho de ganhar um prêmio milionário e mudar de vida. Como fiz na última semana, quando fiz a “fezinha” na lotofácil de independência. Não jogo sempre. Na verdade, quase nunca jogo. Uma das regras que eu criei na minha cabeça é jogar apenas quando o prêmio for superior a 50 milhões, um valor que me parece muito mesmo que dividido entre muitas pessoas. A regra pode parecer meio aleatória, mas tem algum sentido. Eu realmente não me importo de perder e seguir minha vida do jeito que ela está, mas fico horrorizado com a ideia de me tornar um ex-rico.
Tenho amigos com sorte, tenho amigos com dinheiro, eu tenho tendinite e um cansaço quase crônico, para pagar os pecados que eu cometi nesta mesma vida.
Fico pensando na merda que seria me acostumar com uma vida de luxos e acabar voltando a bater o cartão, engolindo sapo para pagar o aluguel. Deus me livre! Se um dia eu ganhar um prêmio qualquer, tem que ser o suficiente para mudar de vida de uma vez, sem chance de volta. Ao longo da vida eu conheci pessoalmente três pessoas que tiveram a sorte grande e perderam tudo. Um manobrista, um cabeleireiro e um gerente administrativo. O dinheiro lhes trouxe bons momentos, é verdade, mas aquelas memórias só os assombrava com a certeza de que não aconteceria de novo.
Parte da graça de se jogar com a sorte é imaginar o que você faria com o dinheiro. Uma amiga certa vez me contava seus planos de comprar um apartamento, casa na praia, viajar o mundo, investir em gado… e eu só conseguia balançar a cabeça de um lado para o outro, sem concordar com nada. O que eu faria com meu prêmio seria enfiá-lo no investimento mais sem graça que eu pudesse encontrar e viveria do seu rendimento pelo resto da minha vida. Nada de imóveis, gado, carros. Um ano sabático, de mochila nas costas, a certeza de uma aposentadoria tranquila. Um negócio qualquer em uma estância turística, para trabalhar três meses por ano, se muito, mais nada. Minha amiga não se conformava. Dizia que se tivesse o dinheiro mudaria de ideia. Quem sabe? Duvido.
A verdade é que não preciso de muito. Não sonho em ter carro, casa chique ou ir em restaurantes caros. Meus gostos são simples e eu já tenho muito do conforto que eu desejaria. Seria bom conseguir tirar férias uma ou duas vezes por ano, pedir comida sem procurar na aba de promoções. Ter a segurança de que se ficar doente, não vai faltar o dinheiro do aluguel e reformar o banheiro e o quintal, ao mesmo tempo, para viver sem obras de uma vez. Meus planos para a riqueza é viver da mesma forma que já vivo, porém mais leve, fazendo só o que eu gosto, atravessando as crises sabendo que passando a correria, vou estar com a minha família em algum lugar que eu não conhecia antes.
Com o dinheiro que sobrasse, eu alimentaria apenas duas extravagâncias, dessas que são reservadas somente aos que têm realmente muito dinheiro: uma ONG de resgate de animais que estaria sempre de portas abertas e um assassino profissional na minha folha de pagamento, sempre disponível. Um homem precisa também precisa ter seus passatempos.
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