Chora Mais
On September 25, 2020 | 0 Comments
Chora mais
Photo by billycm on Pixabay

Eles dizem, como se isso pudesse ofender. Como se tivesse algo de errado em lamentar tudo ao redor. 140 mil famílias desfeitas, quilômetros e quilômetros de terra enegrecida, desemprego e pratos vazios. Eles me mandam chorar, como se o anormal fosse eu. Como se não tivesse algo de errado em quem está rindo e comemorando. Gargalhando com uns pontos do IBOPE enquanto o cutelo do açougueiro desmembra o país, dando ao rico o luxo e ao pobre, se muito, o bucho.

Eles gargalham KKK sem entender o quanto isso combina com o capuz branco sobre suas cabeças. Tão certo e tão errado. Fazendo de cima em baixo, de baixo em cima. O que não podem mentir, eles ignoraram e tergiversam. Lavam as mãos, distribuem a culpa, dizendo que o errado sou eu que torço contra. Torcer a favor como? A favor da morte, da doença, da pobreza e violência? Que poder tem minha torcida, então, que não salvou ninguém de sufocar no leito de hospital, de morrer sem que lhe segurem a mão, de ser enterrado sem ninguém presente? Minha torcida não vale nada, assim como não valem as minhas lágrimas, mesmo assim eu torço e eu choro. Sem vergonha nenhuma.

Sempre que vejo a foto de uma onça com a pata queimada ou alguém me conta do macaco que chorava no topo da árvore enquanto sua casa queimava. Não vejo problema algum em chorar, acho saudável. Estranho é quem não chora. Quem vê tudo isso com indiferença. Que acha o prato vazio coisa de vagabundo. O religioso que ameaça o padre por fazer a vontade de cristo enquanto o ateu lhe defende a fé mesmo estando condenado ao inferno. Estranho não são as lágrimas, são os risos e indiferenças, é o ódio que cega o fanático transformando todos em robôs.

Estranho é quem acha que depois de mais de 500 anos, é agora que o índio resolveu queimar a floresta. Quem entre aquele que mata e aquele que quer salvar a vida, diz que é preciso chegar ao meio termo. E quem acha que dá para tomar uma xícara de cloroquina com o diabo, sem ser abraçado pelas chamas.

Chorar não é minha fraqueza. É meu superpoder. É sinal de que ainda me importo. Que algo dentro de mim ainda não foi completamente anestesiado e ainda se revolta e quer lutar. Choro sim. Choro mais. Choro até 2022, 2026 e 2094. Se precisar, afogo o mundo em lágrimas e apago as chamas do apocalipse. Vou chorar sim! Vou lamentar sim! Vou continuar sendo humano, até que a humanidade não mais se reconheça. Minhas lágrimas vão corroer sua lataria, vão se infiltrar por suas pilhas, vão enferrujar as juntas dos seus dedos enquanto você faz sinal de arminha. Se entendesse alguma coisa, você também choraria, mas ao invés disso prefere rir sem perceber que a piada é você.

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