Quando comecei a escrever a Gazeta Ordinária, minha maior dúvida era sobre a validade de se manter uma newsletter nos dias de hoje. Pensei sobre os e-mails lotados de anúncio enquanto a comunicação migra caoticamente para os aplicativos de mensagem instantânea. Com o Whatsapp se tornando canal de comunicação oficial até do governo e o Instagram e TikTok abrindo uma gama quase infinita de interações, valia a pena dedicar um tempo considerável na elaboração e manutenção de um boletim que ninguém veria? Quem tem tempo para ler um e-mail que não seja urgente? A resposta mais provável é: ninguém.
Nestes últimos meses percebi que o alcance de qualquer post do Facebook é maior do que o da Gazeta Ordinária. Um conto escrito em quinze minutos e postado sem qualquer expectativa ou preparo no Facebook foi compartilhado dezenas de vezes e teve quase uma centena de interações, enquanto a edição quinzenal da Gazeta, com pesquisa, testes, diagramação e revisões, que consomem muito mais tempo, tem, quando muito, quinze ou vinte leitores. Talvez seja caso de se mudar a estratégia. Talvez eu esteja apenas perdendo meu tempo.
Ou talvez eu esteja focando nas questões erradas.
O ano de 2020 vai ser eternizado pela escassez. Escassez de recursos, de dinheiro, de saúde, de paz, de liberdade. Escassez de sol, de emprego, de amigos. Escassez de sanidade. O único patrimônio que me restou neste ano foi o tempo. Ele se alonga de forma emaranhada, correndo e se encurtando, desafiando a minha memória, mas continua lá, aparentemente infinito. Os dias trancados em casa e o pouco trabalho tem tornado os dias absolutamente iguais. Era de se pensar que com tanto tempo livre a produtividade triplicaria, não é? Mas acontece o contrário. O tempo é tão vasto, que não existe urgência. Sempre posso deixar para um depois que nunca chega.
Foi então que eu percebi a importância que a Gazeta passou a ter na minha rotina. Ela se tornou o ponteiro do relógio que faz o tempo ter um fluxo. Entre a gazeta ordinária e as crônicas de segunda, tenho uma produção semanal constante que me tira da cama, me obriga a organizar a mesa de trabalho e me faz pensar sobre o passado, presente e futuro, interagir com as pessoas, criar e manter metas. A gazeta me obriga a ter uma rotina produtiva, ao invés de rondar as quatro paredes desta colônia espacial que se tornou a vida na terra.
Nestas quase vinte edições da Gazeta Ordinária, eu falei sobre filmes, livros, séries. Escrevi sobre colônias espaciais, monstros escondidos debaixo da cama, memórias de infância e cidades destruídas por dragões. Visitei escritórios que exigiam o seu comprometimento em sangue, acompanhei uma esposa e seu sogro indo buscar o corpo do seu marido nos campos de batalha, colonizei marte, recolonizei a terra, fiquei preso em uma armadilha temporal.
Tenho certeza de que não teria feito nada disso se não fosse o compromisso com o prazo. Ao fim deste ano, terei cerca de 30 mil palavras, o equivalente a um livro, que não existiriam se não fosse pela Newsletter, distribuída gratuitamente.
Entender o foco para a produção da Gazeta me ajuda a manter a motivação em produzi-la. Não nego que gostaria que ela tivesse um alcance maior. É um trabalho que faço com muito carinho, promovendo e produzindo cultura de forma aberta e democrática para qualquer um interessado, contribuindo para enriquecer este ano de escassez.
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