Umas semanas atrás a internet se contorceu ao descobrir um movimento de quadrinhistas que se batizou de “quadrinhos sem política”. A polêmica girava em torno da possibilidade de se fazer arte apolítica ou não, como se a política fosse algo alheio ao nosso cotidiano. No fim, acho que o que os quadrinhistas queriam era um movimento de quadrinhistas apartidários, o que faz mais sentido, porém sempre me deixa com um ranço sobre o assunto. Escola sem partido. Passeata sem partido. Quadrinhos sem partido. Literatura sem partido. A questão não é sobre a necessidade de se posicionar ou não enquanto artista, mas sobre o ranço que passou a causar o posicionamento alheio. Bastava aos quadrinhistas sem política produzirem quadrinhos sem política, mas ao invés disso eles resolveram defender essa posição, como se todo o resto estivesse errado.
A questão sobre se um artista comercial (com o perdão do termo, já que essa questão só deve preocupar quem está interessado em vendas), deve ou não se posicionar politicamente vem sondando o mercado brasileiro desde o início da polarização do país. Quando consumir e boicotar se tornaram movimentações políticas, empresas e profissionais preocupados com volumes de venda passaram a reservar para si suas opiniões com medo de desrespeitar o público. Esconder o seu posicionamento, porém, não significa que o artista está alheio a política, só que ele prefere não arriscar sua carreira nisso. Existe até um termo técnico para isso: covardia.
Não estou dizendo que todos precisam se posicionar politicamente o tempo todo, seria útil, mas muito desgastante, agora a partir do momento em que você anula sua opinião ou a esconde através de artifícios com medo do que os outros vão pensar, um limite sério foi ultrapassado. Se a sua posição política não fere, não ofende e não é ilegal, não existe razão para você escondê-la apenas para agradar o seu público, salvo se existe algo mais a contar.
Acho francamente impossível uma literatura sem política, uma vez que a literatura trata da relação entre pessoas ou entre as pessoas e seu meio, o que é uma das definições possíveis para política. Quando escrevemos histórias românticas, falamos da relação entre um casal e estamos levando junto com a história todas as idealizações e preconceitos sobre o que deveria ser uma história de amor. Quando falamos sobre a guerra incluímos, proposital ou acidentalmente, nossas visões sobre o que é correto ou nefasto na violência entre nações. Não consigo imaginar uma história sem questões políticas em seu enredo. Talvez no campo da poesia, que eu confesso não conhecer muito. Talvez. Não sei.
Eu sou autor de fantasia, ficção científica e terror, gêneros que muitos consideram escapista por se tratar de “coisas que não existem” e que eu considero libertadora, por me permitir discutir absolutamente qualquer coisa de forma direta ou indireta. Quando Chamas do Império surgiu, eu ainda era muito jovem e tinha pouco interesse sobre temas controversos, mesmo assim eu queria falar sobre escravidão, mas não queria que os negros fossem escravos neste mundo. Foi daí que surgiram os dhäeni.
Com o tempo e o aprendizado passei a notar alguns dos problemas da minha história, principalmente nas questões de representatividade, fui (muito) lentamente trabalhando o assunto na tentativa de melhorar as minhas opções em histórias. Não fiz nada disso para agradar um determinado público, fiz porquê essas questões passaram a me incomodar como ser humano e o primeiro leitor que quero agradar sou eu mesmo.
Mesmo com tudo isso, as vezes percebo que a mensagem não chega e que muitos dos meus leitores confundem o que estou dizendo. Sinto vergonha de algumas escolhas que eu fiz quando eu era uma pessoa mais imatura e com algumas delas eu vou precisar lidar por toda a vida, enquanto outras me esforço para lapidar e transformar em algo melhor, mas eu preciso deixar claro para qualquer um que não me conheça, que só conheça meus livros e que não tenha me entendido. Preciso deixar claro, porquê algumas coisas me doem quando ditas ou não ditas. Estou politicamente sempre ao lado do mais fraco, do menor, do mais indefeso, do que sofre primeiro, do que morre primeiro, do que é subjugado, humilhado, reprimido. Estou sempre do lado de quem defende a liberdade, não apenas para si, mas para todos e que está disposto a tudo nessa defesa. Quero deixar claro que não sou, nunca fui e nunca serei um escritor apolítico, apartidário ou isento e que sempre que não tenho vergonha ou medo de expressar a minha opinião e pagar o preço por ser quem eu sou. Porquê no dia em que aprendemos a nos esconder por medo, nós fomos derrotados.
Escrever nunca me trouxe e dificilmente me trará algum dinheiro, mas me trouxe alegria, me trouxe satisfação, me trouxe aprendizado, amigos e aliados. Tenho orgulho de quem eu me tornei por causa da literatura e não vou esconder nada disso.
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