Tenho tido dificuldade para escrever. Parece paradoxal dizer isso por escrito, mas é a única coisa que me vem a mente, então aqui estou. Tenho tido dificuldade para escrever desde que fiquei doente. Minha terapeuta insiste que faz sentido que eu enfrente essa longa seca de palavras depois de tudo o que passei: todos os problemas de saúde, um surto, um tumor, um braço quebrado, uma enchente. De verdade, faz algum sentido que tantos problemas tenham ocupado a minha cabeça por tanto tempo que não houvesse espaço para mais nada, mas eu penso o contrário. Que escrever teria me protegido dos meus problemas, como se eu pudesse através do ofício me refugiar em um domo mágico onde a doença não poderia me alcançar. Não deixei de escrever porque fiquei doente. Fiquei doente porque deixei de escrever. E enquanto não escrevo, sigo doente.
Escrever é um ofício perigoso. Te faz se aventurar por lugares que de outra forma você não visitaria. Pensamentos estranhos, paisagens estranhas, desejos estranhos. É algo que todos deveriam evitar se pudessem. Escrever é o ofício dos que não podem. Quem escreve o faz porque não pode evitar. Não se escreve por fama, reconhecimento ou dinheiro. Não se escreve para enfrentar o silêncio, mas sim porque o barulho em sua mente se torna insuportável. Se escreve para combater o caos.
É onde estou agora: som e fúria. Entropia e caos.
Em mim resistiu um profundo ódio sobre meus textos. Leio quase tudo o que fiz com um desagrado absurdo, excluindo aqui e ali um ou dois acertos. Recebo com sincera descrença qualquer tipo de elogio a qualquer coisa que tenha colocado em letras. Tudo se tornou supérfluo e indigno de atenção, uma planície árida onde pontuo os ossos da insignificância. Já não respiro letras, não transpiro textos, já não inspiro histórias. A água que invadiu a minha casa e que em minutos levou tudo o que eu tinha, arrastou com ela também todas as palavras que eu ainda podia dizer.
Escrever é algo que todos deveriam evitar se pudessem. É o que você faz quando precisa colocar ordem no mundo. Quando algo te incomoda feito um fio solto. Não se escreve por fama, reconhecimento ou dinheiro. Se escreve para não morrer.
Mesmo assim, eu não escrevo.
Talvez não tenha mais nada a dizer.
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