As vezes calo a boca por medo das palavras. Tenho medo de abrir a gaiola de dentes e deixar escapar os segredos. Esses animais com serifas que se espalham pelos campos de nada. Tenho medo de confessar todos os meus pecados, os ódios, os amores, os tesões que se acumularam em meus testículos como milhões de egos que não encontram saída. As vezes eu calo a boca por medo da pessoa que se esconde por trás dos meus sorrisos tranquilos. Tenho medo que ele brote da minha garganta como um ectoplasma enfurecido e me estapeie pelas mentiras que eu conto. Eu guardo o silêncio na expectativa de mascarar o mar revolto que oscila tentando me afogar na ampulheta da vida. As vezes meu silêncio é pura fúria. As vezes é puro desleixo. As vezes as palavras se calam por pura preguiça de encontrar um ouvido atento que lhe dê a devida importância. Tento liberá-las em gotas, com medo da pressão extravasar a fortitude do dique, inundando num mar de merdas e advérbios qualquer desavisado que cruze o meu caminho. Quem dera poder dizer que esse silêncio é fruto do meu auto-sacrifício, dessa vontade insana que eu tenho de salvar o mundo, escarrado do alto da minha cruz. Meu silêncio é fruto de uma covardia atroz, de um egoísmo chulo, de uma vaidade extrema, de uma vergonha sem sentido. Medo de alguém perceber que viradas do avesso minhas vísceras fedem tanto quanto os lençóis sujos onde limpei meu pau. Meu silêncio é a marca aguda do covarde e do vilão. Eu, tantas vezes tão reles, tantas vezes tão vil, sou o desprezo que Pessoa tinha por si mesmo, sem sombra da genialidade com que ele domesticava suas palavras. Calo a boca com um grito, como um louco que vocifera para o espelho. Calo as palavras pois não as quero ouvir, pois sou eu a primeira vítima de suas atrocidades. Permito-lhes fermentar em meu estomago, me remoendo em agonia e ranger de dentes. Meu inferno particular, arranhando as tripas cheias de merda, escavando em busca de minha alma. A alma do homem vive em suas tripas, afundada nos dejetos de tudo o que ele consumiu durante a vida. É ali que mora meu silêncio, rosnando como uma digestão mal feita, fétido e escroto. É por isso que eu me calo.
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