Este não tem sido o ano mais produtivo da minha vida. Ao contrário de 2013 quando terminei o Teatro da Ira e 2014, quando o editei e ampliei o universo com a Lenda do Mastim Demônio e a Coroa de Chamas, além de um conto para uma coletânea de ficção científica ainda sem nome, em 2015 eu escrevi dois contos e uma noveleta para a mesma coleção, só isso. Já tinha dado o ano como acabado quando alguém me sugeriu participar do NaNoWriMo (National Novel Write Month), cuja proposta é espantar a poeira dos ombros, arregaçar as mangas e testar a tendinite ao limite, escrevendo nada menos do que 50 mil palavras durante o mês de novembro.
Primeiro eu não achei que fosse possível. Novembro seria um mês complicado, eu estaria de férias parte do mês e a expectativa era de estar enfiado no meio do mato com uma faca de caça e um cantil de água (oras, o que vocês esperavam da imaginação de um autor?) mas então me dei conta de que seria, provavelmente a única chance que eu teria de melhorar meu score nesse ano e resolvi me comprometer com o desafio. Revistei minha lista de projetos até encontrar alguma coisa que pudesse ser aproveitada e acabei tirando da cartola a história do Gigante, que era um conto e se tornou uma noveleta, para se tornar uma pedra incômoda no fundo dos meus pensamentos.
Gigante, desde o inicio, era uma história complexa. Falava sobre dois jovens que, no decorrer de uma guerra, lutavam para manter a fazenda de seus pais, o que se complicava com a descoberta de um gigante que tinha desertado do exército e se escondido em suas terras. A própria concepção da história era algo diferente do que eu já tinha escrito até então. Era um história de fantasia sem aventura, uma história de guerra sem batalhas, um drama de espada e magia, que mostrasse o que acontecia com as pessoas que não estavam envolvidas nas grandes batalhas entre reis e magos.
Gigante não era a escolha ideal para o NaNoWriMo, pois o enredo ainda tinha muitos problemas que eu não conseguia resolver. Talvez por isso mesmo eu o tirei da gaveta.
Minha expectativa para esse NaNoWriMo era baixa. Se eu conseguisse alcançar as 30 mil palavras, eu teria uma base para trabalhar nos próximos meses, mesmo assim tracei um plano para escrever 1700 palavras por dia, durante 30 dias e alcançar as impossíveis 50 mil palavras. Imaginei que eu desistiria antes, na melhor das hipóteses, na pior, procrastinaria e me culparia em um ciclo de vergonha sem fim que no fim me levariam ao alcoolismo e o abuso de drogas. E foi assim que eu comecei.
Eu tinha um plano. Eu tinha personagens. Eu tinha um background. Eu tinha uma intenção. O que eu não tinha era ideia de onde eu estava me metendo. Em alguns dias o texto era fluído com meus pensamentos, em outros era amarrado e desesperador, prometendo um fracasso retumbante no dia seguinte. Nos melhores dias eu pulava da cama pronto a deixar lindas três mil palavras no papel, nos piores eu evitava o computador com a certeza psicótica de que ele planejava me matar de câncer naquele dia. Cada dia foi diferente e cada dia foi uma luta. Em certa altura os personagens se rebelaram contra meu planejamento, vilões morreram, heróis se corromperam, personagens ganharam destaque e outros simplesmente desapareceram. O pânico se alastrou dentro de mim e eu lutava freneticamente para colocar as coisas de volta ao plano original, até que eu cheguei aos 28 mil caracteres e vi que iria desistir.
Estava no 12 dia de trabalho e me senti sem controle algum do que estava fazendo. Tinha resvalado no meu projeto, mas o final que eu imaginava parece tão longínquo que 50 mil palavras seriam só o primeiro volume. Na minha cabeça haviam três opções: 1) jogar tudo fora e recomeçar, 2) parar por ali mesmo e fingir que nunca tinha ouvido falar de NaNoWriMO, 3) Sepuku com uma caneta para limpar a honra da minha família. Fui deitar com a certeza do fracasso, procurando uma forma da derrota não parecer completa.
Nada definia melhor meu humor do que aquela sexta-feira treze. Eu simplesmente não queria escrever nunca mais na minha vida. Para quem acha que 50 mil palavras é algo impossível, logo na primeira semana já haviam três ganhadores do concurso, aquele número aumentava a cada dia e ver a facilidade com que as pessoas escreviam 5, 10, 20 mil palavras por dia só me deixavam mais desesperado. Naquela sexta feira eu voltava ao trabalho e o tempo seria curto. Era isso, eu tinha sido derrotado.
Sábado eu tinha a manhã livre. Conversei com uma amiga sobre minhas frustrações, eu tinha ficado preso em um nó que parecia impossível de ser desatado, mas enquanto eu conversava com ela começou a surgir uma outra questão… e se eu desistisse de colocar a história no trilho? Sentei na frente do computador e escrevi com bastante calma, o que eu imaginava como o final ideal do livro e estiquei uma linha de onde eu estava para onde eu queria chegar. Não era algo tão absurdo assim, era um caminho diferente do que eu havia imaginado, mas não estava tão longe. Voltei a acreditar. Usei a rebeldia dos personagens ao meu favor, se eles queriam tomar as decisões por si mesmo, eu não podia fazer mais do que descrevê-las. Evitei o quanto pude as cenas violentas, não era sobre isso que aquele livro falaria, a história passou a fluir.
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Terminei o dia 20 com 42 mil palavras. A meia-noite chegou e me deixou exatamente ali, na beirada do caminho. Em dois dias, eu imaginava, conseguiria bater a meta final. Parecia incrível que eu estivesse pronto a completar o NaNo. Uma semana antes eu estava pronto para desistir, mas eu tinha chegado até ali. Não sabia bem onde era “ali”, mas bem… tinha 42 mil palavras, para mim era impressionante e eu já me sentia vitorioso. Provavelmente eu precisaria de outras 15-20 palavras para terminar o livro, mas… uau! Tinha tempo de sobra.
Sábado eu comecei a trabalhar cedo e só parei para almoçar as quatro da tarde. Comi com fome e pressa, sabendo que eu já tinha cumprido a meta do dia, mas interessado em saber até onde eu conseguiria trabalhar. As 23 horas eu tinha 48 mil palavras… eu estava a 2 mil palavras de terminar o NaNoWriMo, restava apenas uma hora. Eu já digitava de pé, em um balcão alto, como se a posição me desse mais velocidade. As pessoas me incentivavam no facebook, mas eu não tinha tempo de responder o que estava acontecendo. Digitava com o olho no relógio, vinte minutos, quinze, dez… os dedos trabalhando rápido, tentando acompanhar os pensamentos, cinco minutos… faltando dois minutos para virar o dia, eu recortei todo o texto e inseri no site para validá-lo. Eu tinha 50111 palavras. Tinha conseguido vencer o NaNoWriMo 2015.
Ter 50 mil palavras era diferente de ter um romance completo. Mesmo que a história fosse coerente e tivesse começo, meio e fim e que eu tivesse resolvido a trama de todos os personagens, eu sentia que não tinha desenvolvido tudo o que eu imaginava. Eu tinha resumido cenas, ou ignorado situações. Haviam um ou dois ganchos que pareciam perdidos sem o desenvolvimento, mas era aquilo era apenas um rascunho, mais um tratamento, mas o livro estava completo.
Nos próximos 10 dias pretendo afinar esses detalhes e depois deixar a história descansar uns meses. Vou voltar a outros projetos. Terminar minha coletânea de ficção científica, depois preparar a edição independente do Mastim Demônio. O NaNoWriMo não me assustava mais. Que venha 2016.
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