A revista New Yorker publicou um excelente artigo sobre Michael Moorcock, autor e editor do gênero Espada e Feitiçaria que eu já citei aqui muitas vezes como uma das minhas maiores inspirações literárias. Para mim, Moorcock sempre foi tão grande quanto Tolkien. Foi interessantíssimo descobrir que a sua literatura surgiu exatamente como uma resposta ao tipo de literatura que Tolkien e seus seguidores tinham instituído como cenário de fantasia. Sem juízo de valor, nem colocar um acima do outro, é interessante ver o diálogo que existe na obra de ambos os escritores. Moorcock viu o cenário de fantasia da época e descobriu o que podia fazer diferente. Quantos de nós conseguiram fazer o mesmo? Como sempre, a culpa pela tradução é minha e me responsabilizo pelos eventuais furos.
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No mês de dezembro, o autor Michael Moorcock comemorou seu septuagésimo quinto aniversário, que, pela sorte dele, caiu no mesmo mês em que Peter Jackson fechou sua hexalogia de filmes que começou com “O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel” e terminou com “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos” O último é a terceira parte de Jackson da sequência “O Hobbit”, um livro que já foi considerado uma fábula encantadora e que foi dilacerado para fazer a sua história se encaixar com os filmes anteriores, ao mesmo tempo, tentando honrar cada uma das notas de rodapé, apêndices, e cartas de JRR Tolkien. Os filmes são espetáculos surpreendentes de Hollywood, e para aqueles de nós que cresceram lendo os livros e interpretando elfos em Dungeons & Dragons, foi uma emoção ver esses personagens materializados na tela. Gollum, Sauron e Aragorn foram criados a partir de alegorias míticas, mas agora são parte tão integral da cultura de ficção científica e fantasia que eles mesmos se tornaram alegorias. Mas Moorcock, um dos mais prolíficos escritores fantásticos vivo, vê a criação de Tolkien como pouco mais do que uma visão conservadora do status quo, uma aventura que traz seu herói “Lá e de volta outra vez“, ao vez de em um mundo onde a experiência significa que você pode não voltar para casa. Moorcock pensa que o vasto catálogo de nomes, lugares, anéis mágicos e reis anões de Tolkien é, como disse Hari Kunzru em um artigo de 2011 para The Guardian “uma confirmação perniciosa dos valores de uma classe média moralmente falida.“
No entanto, Moorcock pode ser alguém em quem confiar nesses assuntos. Desde o seu primeiro emprego, a edição de uma revista de fãs de Tarzan quando tinha dezessete anos, para seu septuagésimo romance, que será lançado em janeiro, ele tem escrito essencialmente o outro guia de estilo para a fantasia moderna. Moorcock é o autor de um número quase incontável de contos; ele tem antologias editadas, escreveu livros de não ficção de críticas e teve seu romance “Mother London” pré-seleccionado para o Prêmio Whitbread. Com tudo isso, é provável que Moorcock tenha escrito alguns fracassos, mas ele é rápido em reconhecer suas próprias limitações. Ele uma vez escreveu: “Eu penso em mim como um mau escritor com grandes idéias, mas eu prefiro ser isso que do que um grande escritor com idéias ruins“
É também uma bela ironia que este ano faça cinquenta anos que há Moorcock, então com 24 anos de idade, foi oferecido o leme editorial da revista britânica New Worlds. Foi nela que o jovem editor quebrou as regras da velha guarda da ficção científica e fantasia ao publicar escritores que – com as chamas da contracultura sob os seus pés – mudaram o próprio curso da ficção científica e fantasia: J.G. Ballard, Roger Zelazny, e Samuel R. Delany, para citar alguns. Foi também ali que Moorcock deu espaço para algumas das críticas mais perspicazes de grande influência de Tolkien.
Moorcock e seus colegas haviam se cansado da paisagem dominante da ficção científica: vastos campos de viagem no tempo, machismos, naves espaciais, bem como os heróis bidimensionais do subgênero da fantasia “Espada e Magia”. A era de ouro da Ficção Científica, que tinha sido criada antes por autores como Frederik Pohl, John W. Campbell, e Robert Heinlein, pelos anos sessenta, reciclando as mesmas idéias. Dentro das páginas de New Worlds, Moorcock criou uma revolução literária, que faria os fãs de ficção científica pedirem a sua cabeça. Ela foi chamado de New Wave, e foi caracterizada por uma insistência de que a ficção especulativa não precisa confiar em raios laser, marcianos de um olho só, e motores sub-luz para expandir a sua imaginação. As histórias em New Worlds sob a direção de Moorcock eram muitas vezes experimentais, às vezes empurrando os limites do que alguns consideraram bom gosto. Seu primeiro editorial, intitulado “A Nova Literatura para a Era Espacial“, era ambiciosa:
Mais e mais pessoas estão se afastando da piscina estagnada da novela convencional – e eles estão se voltando para a ficção científica (ou fantasia especulativa). Este é um sinal, entre outros, que um renascimento literário popular está dobrando a esquina. Juntos, podemos acelerar esse renascimento.
Nem mesmo a vasta erudição filológica de Tolkien, o seu profundo conhecimento de mitologia, e suas habilidades de construção de mundo podiam impressionar, o que Moorcock e companhia viam como um infantilismo problemático inerente à obra de Tolkien. Em um ensaio de 1971 na New Worlds, o escritor M. John Harrison reconheceu a posição de Tolkien como a primeira e última palavra na ficção fantástica, mas implora aos leitores para olharem mais de perto, onde eles não vão ver o “belo caos da realidade“, mas “estabilidade, conforto e a segura catarse“. Em 1978, Moorcock foi ainda mais fundo em um ensaio chamado “Pooh Épico“, no qual ele compara Tolkien e seus hobbits com A.A. Milne e seu ursinho Pooh.
Mas ele não estava conseguindo passar a mensagem. Em 1973, muito antes de personagens de Tolkien se tornarem memes de internet e figuras de Lego, o mestre britânico morreu e deixou para trás uma paisagem da cultura pop que foi rapidamente sendo habitada por elfos, orcs e hobbits. Tolkien poderia ser encontrado em músicas, paródias de Harvard Lampoon, e em slogans hippies (“Frodo Vive!“). Até o início dos anos oitenta, “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis” tinham gerado não apenas adaptações na forma de desenhos animados e filmes de animação, mas também tinham estabelecido o sabor dominante dos livros de fantasia, jogos e filmes.
Porque Moorcock é um escritor de ficção, era apropriado que ele oferecesse uma crítica a Tolkien usando seu próprio trabalho. Na década de setenta, nadando como um seguidor nas sombras do legado de Tolkien, surgiu um herói afortunado com uma natureza um pouco mais sombria do que a de Bilbo ou Gandalf. Seu nome era Elric, um albino frágil viciada em drogas e o governante relutante do reino de Melniboné, onde vingança e hedonismo são características permanentes, e os seres humanos são escravizados. Os habitantes de Melniboné não são os espirituais elfos, quase angelicais de Lothlórien, mas uma raça de autocratas decadentes cujos dons mágicos são concedidos por demônios. Enquanto Elric ama o seu povo, ele despreza seu egoísmo, e as histórias e romances seguem Elric em terras e tempos estranhos, enquanto ele tenta chegar a um acordo com a sua própria luta interior, junto com sua companheira, Stormbringer, uma espada senciente que se alimenta das almas daqueles que Elric mata.
A influência de Moorcock não tem nada relacionado com Tolkien, pelo menos não na superfície, mas a sua visão de um gênero de ficção especulativa que podia ser psicologicamente complexa fica evidente na sofisticação que alguns – de “True Detective” para Jeff VanderMeer, de David Mitchell para “Under the Skin” – se tornaram. Mas Moorcock também abraça a alegria do Pulp, e como Tolkien, suas criações são nome certo e fonte de altos e baixos.
O rock and roll tem provado ser um dos veículos mais potentes para consagrar tanto os personagens de Tolkien quanto os de Moorcock na cultura pop. Mesmo com todas as alegações de adoração ao diabo jogadas contra Led Zeppelin, Satanás fez apenas uma aparição em suas letras. Ao invés disso Tolkien é onde esta a sua verdadeira lealdade, com referências a Gollum, Mordor, as Montanhas da Perdição, e Espectros do Anel. Moorcock, no entanto, surgiu durante era da ascensão do Rock e entendeu o poder que ele tinha para dar vida elétrica às suas criações. Moorcock trabalhou diretamente com bandas como Hawkwind e Blue Öyster Cult como um guru espiritual e literário. E, como os personagens de Tolkien, os heróis e anti-heróis de Moorcock aparecem nas histórias em quadrinhos e jogos de RPG. Mas, mais frequentemente a sua presença é vista na forma de carinhosos acenos de cabeça como, quando, na série de televisão “Game of Thrones“, alguém grita “Stormbringer“, quando o Rei Joffrey pede para possíveis nomes para a sua espada.
A literatura de Moorcock sacudiu o cenário de fantasia e de ficção científica estabelecido e tornou possível para os escritores sair da longa sombra de Tolkien e outros dispositivos de fantasia. E o frágil Elric, dependente de uma espada que rouba almas para manter seu reino da destruição total, é uma correção necessária para o fastio de algo como a trilogia de filmes “Hobbit”. Elric não é a alta arte, por qualquer meio, mas é tão rico e complexo como qualquer coisa que se chama de fantasia. E as histórias de Elric são um ótimo divertimento. Mas, mais importante, Elric não é sobre idéias abstratas de bem e mal, com poderes sem face olhando para tomar o mundo de suas árvores e suas tocas de hobbit. Elric é sobre a lei e caos, e como, às vezes, a escolha de um sobre o outro não é melhor ou pior.
Via New Yorker
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