Ontem quando eu estava colocando o ponto final no último capítulo do Teatro da Ira, eu me dei conta de como essa louca estratégia de escrever usando um blog deu certo. Quando eu comecei, achei que uma multidão de leitores se reuniria a minha porta implorando pelo próximo capítulo enquanto eu lutaria contra o tempo para escapar das ameaças contra a minha vida. Não foi nada assim. Os leitores foram poucos e fiéis, mas os prazos bem determinados acabaram me fazendo caminhar, mesmo quando tudo o que eu queria era me sentar no sofá e assistir a última temporada de Breaking Bad (sem spoilers, por favor).
No fim das contas o que fez com que o Teatro da Ira chegasse ao fim foi organização, planejamento e uma paciência digna de canonização da minha namorada e dos amigos que deixei esperando no bar com a cerveja gelada na mão. Para conseguir chegar até aqui, eu precisei aprender alguns truques que me ajudaram bastante e como eu sou legal, resolvi escrever estes sete truques para um escritor iniciante (com a petulância de outro escritor iniciante) chegar até o final do seu livro. Espero que gostem. Enquanto vocês leem vou lá saber o que aconteceu com o Walter White.
A primeira coisa que eu fiz, antes de começar a escrever, foi fazer uma sinopse da história. Em poucas linhas eu defini o que eu estava contando naquele livro. Não era uma história em si, mas mais um conceito em linhas gerais, algo que o livro precisava dizer. Esta idéia inicial eu acabei desdobrando em poucos parágrafos, centrando em um pequeno grupo de personagens (alguns sem nome), dizendo o que eles queriam, o que os impedia e como eles resolviam o problema. Eu coloquei esses três problemas em formato de ação e as coloquei em três pontos diferentes da história. Cada um deles gerava outras perguntas e a medida em que eu ia respondendo estas perguntas, eu acrescentava mais um item na cronologia do livro. Acrescentar um item era desenvolver uma ação/cena que pudesse explicar o que havia restado de dúvida. No fim das contas eu tinha um breve resumo (pouco mais de 1 página) que falava sobre os principais acontecimentos de cada capítulo, em não mais do que três linhas. Este mapa original continha 12 capítulos, que eu acabei dividindo em outros três pedaços, onde eu explicava melhor o que eu desejava. Neste mapa já era possível identificar os 4 principais pontos da história: a nomeação do problema, a complicação do problema, o ponto de virada e o climax (ou solução do problema). Com este mapa ainda meio rústico eu já comecei a escrever a história, sabendo que o Mapa de Capítulos não é nenhuma tábua sagrada, mas sim um guia de trabalho que me orienta através de um mar de idéias. Quando eu percebia que algo não estava funcionando eu alterava o mapa sem o menor sentimento de culpa.
O meu mapa final ficou dividido em 16 capítulos com 50 subdivisões.
Minha primeira meta era publicar um capítulo por semana e terminar o livro em três meses, isso implicava em escrever 16 páginas por semana, o que daria duas páginas por dia de segunda a sexta e seis páginas entre o sábado e o domingo. Eu tinha uma média de 2 horas para trabalhar no livro por dia e os fins de semana mParecia bastante aceitável, mas por via das dúvidas resolvi escrever os 3 primeiros capítulos antes de garantir a publicação semanal. Na prática percebi que apesar de conseguir escrever duas ou mais páginas por dia, eu não conseguia escrever todos os dias, o que já ferrava a minha programação semanal, então eu resolvi que iria publicar a cada 15 dias. Era um prazo mais confortável e eu teria tempo de reescrever qualquer coisa (o que na prática me salvou pelo menos 3 vezes). Como eu ainda tinha 45 dias de folga (dos três capítulos que estavam prontos antes deu começar a publicar) o leitor nunca perceberia que eu estava atrasado ou adiantado enquanto eu me mantivesse em movimento. Se eu não conseguisse terminar 1 capítulo em 45 dias, a coisa iria começar a ficar complicada, mas a chance disso acontecer parecia pequena. Os primeiros capítulos eu terminei em uma semana, os capítulos do meio levaram 15 dias ou mais, por causa de outros compromissos, na média levei uns 10 dias para cada capítulo. Reescrevi uns 4 capítulos do zero e lutei bravamente contra o prazo. Logo eu estava trabalhando bem mais do que 2 horas por dia, primeiro por empolgação, depois por necessidade, e em alguns momentos eu detestei ter me colocado prazos tão insanos. Claro que eu sabia que se eu não me provocasse com os prazos eu faria a mesma coisa que teria feito todas as vezes anteriores. Teria enrolado e no fim desistido.
Publicar os capítulos foi como uma comporta de contenção que me obrigava a seguir em frente com os sobreviventes e deixar para trás os condenados. Uma vez publicado eu não tinha outra opção a não ser pular para o capítulo seguinte e continuar em frente. Esse tipo de limitação monstruosa foi pensada para lidar com o meu maior problema em todas as vezes que eu tentei terminar um livro: reescrever o tempo todo. Eu simplesmente não consigo me satisfazer com uma história. Se me deixarem eu reescrevo a mesma página eternamente. O Teatro da Ira teve outras 4 versões, em diversos estágios de acabamento. Destas, pelo menos uma foi bastante completa, mas que não me satisfazia de jeito nenhum. A quinta versão era a definitiva e eu não tentaria outra vez. Embora alguns capítulos não tenham ficado exatamente como eu gostaria, eu usei o esquema das comportas de contenção para não ver o navio naufragar no mar de decepção. Trabalhei como teria feito um escultor, primeiro cuidando do todo, para depois cuidar dos detalhes. Eu poderia melhorar o livro depois de terminado, mas ele precisava ser terminado antes.
Sou um leitor assíduo. Leio uma média de 24 livros em um ano, sob diversos temas. Quando me sento para escrever, imagino a prosa de Howard, Cornwell, Asimov, Lovecraft, Clarke, Martin, Tolkien, enfim… todos os grandes. Mas quando eu relia o que eu estava escrevendo, eu não era Howard, Cornwell, Asimov, Lovecraft, Clarke, Martin, Tolkien, Etc. Era frustrante ter todos esses autores na minha cabeça e nenhuma chance de colocá-los no papel. Eu era um nada. Eu era um bosta. Eu era tão ruim quanto os piores e estava condenado a danação eterna. Então eu me sentei no sofá da sala e olhei para todos aqueles livros na estante, orgulhosamente enfileirados e zombando de mim e então eu olhei para a prateleira da vergonha. A última prateleira da estante do canto, onde estavam todos os livros que eu não havia gostado. Pensei que eu talvez não estivesse na fileira de cima, junto dom os grandes mestres, mas eu não sentia que meu lugar fosse a fileira de baixo e que enquanto eu estivesse entre uma e outra, eu podia continuar em frente. Era importante saber que eu tinha meu próprio caminho a seguir e que não adiantava eu ficar me nivelando por gente que simplesmente não era deste planeta. Eu era só um mortal e iria terminar esse maldito livro. Alguns editores reclamam que os autores sempre acham que seu livro será o próximo “Harry Potter” e fazem piadas sobre a pretensão dos autores. Eu tentava me convencer a seguir em frente, mesmo sabendo que eu não seria milionário com aquela história.
Eu troco o nome dos personagens. Eu esqueço a grafia do nome dos lugares. Eu escrevo que vou “ver ela” e largo uns “pra”, “pro” e “vc”. E sigo em frente. Era o mesmo sobre passagens que eu gostaria de explicar melhor. Quando eu percebo o erro, paro e tento consertar os escorregões, mas por causa do meu sistema de comportas, eu sabia que o compartimento iria resistir a uns pequenos furos no casco, enquanto eu seguia para o próximo capítulo. Saber que você terá tempo de revisar tudo isso NO FINAL, é a melhor solução para aquela eterna incapacidade de seguir adiante. A revisão é uma segunda chance para se apaixonar pelo seu livro, apesar de todos os seus erros. As vezes eu precisava respirar fundo e dizer que era só substituir todos os nomes pela grafia certa, quando o livro estivesse pronto. Não era nada tão grave assim e eu não faria disso um thora’randoll bloqueando a minha ponte.
Existe uma miriade de processos que fazem de um original um livro. Alguém escreve, alguém revisa, alguém edita, alguém diagrama, alguém faz a capa, alguém vende, alguém compra, alguém lê, alguém guarda e alguém fala mal. É importante você saber que é responsável só pela primeira parte de todo um processo que leva algum tempo. Claro que você pode ler, revisar, editar, diagramar, etc. Correndo o risco de se tornar como o pato, que anda, nada e voa (Anda mal, nada mal e voa mal), mas nem você, nem o mais cruel dos críticos vai conseguir falar mal do seu livro SE VOCÊ NÃO O ESCREVER! Então, antes de pensar em que lugar da estante da vergonha, seu livro vai ficar, você precisa se sentar em sua cadeira e escrever. Não perca tempo criticando, imaginando fontes, dizendo que isso ou aquilo não funciona. Existe um tempo para escrever e outro para editar e morrer de vergonha, faça cada coisa em seu tempo e você vai conseguir preservar um pouco de sanidade.
Escrever é uma das coisas mais maravilhosas que a humanidade já inventou. Um professor de antropologia, citando um autor que eu já não me lembro, me disse uma vez que tudo o que diferenciava o homem do animal era o Túmulo e a Escrita, a capacidade do homem em imaginar existir algo no além vida e sua capacidade de registrar a sua história. Quando você está sentado diante da página em branco, tentando colocar para fora uma história que já existe dentro de você, está fazendo parte de uma longa tradição iniciada 40 mil anos atrás, quando o primeiro homem desenhou sua caçada nas paredes de uma caverna. Então relaxe, aproveite. Pense que bem ou mal, sua história vai estar por ai daqui a 40 mil anos, como exemplo dos pensamentos ultrapassados de um povo que vivia em apartamentos pouco espaçosos. Seu texto tem que contentar somente a um leitor: Você. Se nada mais der certo, você vai ter pelo menos um livro raro, que ninguém mais vai ter. Então garanta que você vai pelo menos se divertir no processo. Divirta-se e lembre-se de Fernando Pessoa:
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
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