A grande verdade é que não importa o quanto você escreve, importa o quanto você aproveita de tudo o que você escreveu. Eu tento um hábito de escrever diariamente. As vezes em cadernos, as vezes no computador, outras vezes em folhas soltas que estão perdidas por ai. Na maior parte das vezes são pequenos trechos ou rápidas sinopses de idéias maiores, em outras, são detalhes que ficam me incomodando em uma história, ou pedaços de algo soprado ao meu ouvido, sem eu saber bem para que servem. De toda forma, estão todos ali, em linha, na maior parte do tempo, inúteis como tinta incolor.
O volume de texto que é necessário para produzir algo minimamente publicável é assombroso. Um simples conto pode ter três, quatro, infinitos tratamentos, cada um com suas infinitas variações de sinopses, descrições de personagens, cenários, vestuários. A pesquisa histórica – mesmo no caso de fantasia – é importante para mim, então estou sempre anotando idéias de outros livros, normalmente relatos de batalhas ou lendas históricas. Então, quando o texto ganha vida e chega ao fim, você vê aquelas páginas magras sobre a mesa e fica se perguntando porquê diabos você demorou tanto. Demorou, porquê aquelas linhas esquálidas ficaram apoiadas sobre outras tantas, como os últimos campeões do campo de batalha se apoiavam sobre os cadáveres vencidos.
É do ofício do escritor, manter os ossos sob a terra. Eu tenho minhas desconfianças sobre aqueles que têm uma produção muito larga, não porquê eu duvide de sua autenticidade, mas porquê eu imagino que histórias melhores pudessem ter sido descobertas se eles tivessem jogado no lixo o plano original. Existe um tempo de maturação de um livro que muitas vezes escapa do tempo de digitação. O livro também é escrito no silêncio, enquanto parece que não estamos fazendo nada. Depois de certo tempo, a história está tão entranhada na gente, que ela começa a fluir com uma estranha naturalidade. É um momento delicioso, mas que exige atenção: nem sempre o caminho mais fácil é o melhor caminho a seguir.
Chamas do Império já está no meu DNA a uns quinze anos. Ele não tinha esse nome, nem esse sentido, mas estava ali, ebulindo e crescendo, me atormentando todos os dias com variações infindáveis, até explodir naquele caminho que deixa de ser uma possibilidade para se tornar a única coisa certa a fazer. As pessoas próximas a mim costumam dizer que eu escrevi muito rápido, que eu terminei o Teatro da Ira em tempo recorde, mas a verdade é que eu fui absurdamente lento. Levei todos esses anos para sair do nada absoluto até um universo complexo que estou mostrando aos poucos. As Chamas do Império estão vivas no meu pensamento, muito antes de chegarem ao papel e mesmo assim, quando chegam, eu preciso lutar contra o comodismo, para que as palavras encontrem o trajeto certo até as idéias que eu ainda tenho guardadas.
Não é simples, nem fácil, nem romântico, nem mágico. É um trabalho duro, suado, coberto do sangue de amizades findas e do sacrifício de momentos de lazer. Coberto pelos gritos de dor e o estalar do chicote que castiga nosso próprio Ego. Escrever é uma espécie de perturbação do espírito e eu não vejo motivo para ninguém fazer isso, exceto o fato de que não é possível evitar. Quando você chega ao nível da compulsão, quando você acha graça em responder um email apenas para ver as letras pulando diante de si, quando você se atrasa porquê queria anotar um parágrafo em um papel que você vai inevitavelmente perder, ou quando sai da sala de cirurgia pensando quanto tempo a anestesia vai embaralhar as palavras que você têm a dizer, quando você chega a esse ponto, aí você sabe que não têm mais volta. Você está condenado à sua grafomania. Resta então se conter e entender que nem tudo o que é escrito, foi feito para ser lido. Um autor deve saber onde esconder os seus cadáveres, transformando a luta diária em um leve passeio ao leitor. E manter em suas covas, os corpos putrefatos das histórias que não deviam ter sido escritas.
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