Cabelo Ruim
On December 7, 2020 | 0 Comments

Em algum lugar entre 1994 e 1997, o cabelo da minha mãe está em chamas e, alheia a isso, ela pede para meu pai parar de encher o saco enquanto ele tenta apagar o incêndio com tapinhas desesperados.

Uns cinco anos antes disso meu tio se oferece à cortar o meu cabelo e raspa a frente da minha cabeça, deixando somente a parte de trás, como se eu fosse um monge chinês. Uso um chapéu de pescador durante semanas na escola, os boatos são de que tenho piolho, ou câncer. Foram semanas solitárias.

No mais antigo pub gay de Londres, enquanto limpo a mesa dos clientes, um deles pergunta se pode colocar a mão no meu cabelo. Os cachos estão batendo nos meus ombros e os mantenho amarrados com um lenço como se fosse um pirata.

Estou sentado na cozinha da minha mãe. Seus cabelos cacheados e curtinhos perdem a cor. Ela resolveu que não vai tingir mais. O prateado vai tomando o lugar da tintura castanha e ficando cada dia mais bonito. Ela já tinha sido loira, ruiva e morena. Havia alisado um bom tempo e usado curtinho por outros momentos. Os seus cachinhos são tão fechados quanto os meus, embora os meus as vezes formem longas ondas que não sei explicar. A quarentena os deixou ainda mais voluntariosos.

Penteando a cabeça calva, meu pai me provoca dizendo: “É pouco, mas é bom!” Eu rio e respondo de volta: “Pode ser ruim, mas tem de sobra!”

Em 1983, na casa da minha avó paterna em Minas Gerais, ela segura minha irmã no colo e comenta aliviada: “Até que não é tão preta assim!”.

Sete anos mais tarde, minha mãe pede para o cabeleireiro me convencer de que “Neutrox” não deixa o meu cabelo mais liso.

É a sexta vez que tento cortar meu cabelo e Solange, a cabeleireira, se recusa. Diz que vai cortar apenas as pontas e me manda voltar no mês seguinte se ainda quiser cortar. Por algum motivo eu obedeço.

Uma amiga resolve fazer uma intervenção e me arrasta até um barbeiro. Ele diz que o lance dele é usar a maquininha. Eu autorizo. Enquanto a cabeleira cai no chão, o vejo salivar de alegria. Minha amiga acompanha tudo ali de perto, folheando uma revista sem nenhum interesse.

Meu irmão nasceu com o cabelo preto e liso, como o do meu pai. A família toda ficou contente. Na adolescência ele deixou o cabelo crescer e tentou fazer pegar o apelido de samurai. Não deu muito certo. Mais velho, passou a praticar jiu-jitsu e a manter os cabelos raspados. Ele ainda não tem orelha de alface.

– Cara, quando você corta o cabelo fica com cara de psicopata. Dá um medo dos diabos. – Edson comentou depois de um motoboy se recusar a falar comigo. Duas semanas antes, Edson tinha tentado me vender uma arma.

Estou sentado na beira da cama, admirado, enquanto minha avó materna desfaz os bobies na minha frente, nunca imaginei que por baixo do lenço sempre amarrado a cabeça seus cabelos fossem tão lisos.

Do portão da casa, minha mãe olha para mim e balança a cabeça indignada perguntando quando vou dar um jeito naquele cabelo. Digo que estou gostando assim… é fresco nas orelhas e meio bagunçado na parte de cima. Ela confessa que preferia quando a Solange se recusava a cortá-lo. Lembro da fase. Eu odiava. Só não tinha forças para recusar e agradecia por alguém tirar de mim a decisão. Pela milionésima vez ela me mostra como devo amassar os cabelos para formar os cachos. Tento fazer o que ela quer, mas parece que sou um caso perdido. Meu pai entra na cozinha. Visivelmente magro, andou doente. A cabeça quase inteiramente calva. O pouco que resta é branco como algodão. Me lembrei de quando ele era uma mistura de Lula com Tony Ramos e as pessoas o chamavam de Barba.

Uma ex-namorada insistia para eu cortar o cabelo curto. Eu ignorava tentando não me irritar. Quando começamos a namorar meu cabelo já era daquele jeito e eu não havia mudado. O cara com quem ela me traia era praticamente careca.

Quando era pequeno, queria ter o cabelo liso como as pessoas bonitas da televisão.

Quando tinha entre onze e treze anos, minha mãe insistiu para eu ir cortar o cabelo. Não era longe, eu gostava de caminhar. Chegando lá, o salão estava fechado. Encontrei o cabeleireiro na rua e ele insistiu que abriria o salão para mim. Com o corte quase no fim, ele aproveitou para pegar no meu pau.

Evitando o barbeiro a seis meses, finalmente comprei minha própria maquininha. Sentado diante do espelho raspo as laterais, mas queria ajuda para raspar a parte de trás. Na minha imaginação estava fazendo um faux hank como vi na internet. Não ficou parecido. Ganhou um formato esquisito, mas por algum motivo eu gosto. Esquisito é bom. Quando termino, tento ligar para minha mãe para ela ver como ficou. Para variar o celular chama, mas ela não me atende.

Deitado no sofá, vendo televisão, minha namorada enrola os dedos nos meus cabelos. A sensação é boa e parece que vai dar tudo certo.

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