Chegar aos quarenta anos é uma coisa estranha. Você ainda não é tão velho, mas já é velho o suficiente para um monte de coisas. Mesmo assim, durante boa parte do tempo você se sente um garoto, o que está bem longe de ser verdade.
Acho que o primeiro sinal que tive de que tinha chegado mesmo aos quarenta anos foram as dores nas costas. Pela primeira vez na minha vida entendi o significado da expressão costas travadas. Fiquei tão mal que precisei de uma massagista emergencial que veio até em casa e me tirou da cadeira. Eu simplesmente não podia me mexer. Enquanto ela realinhava os meus chacras com movimentos de amassar pão, eu pensava na obsolescência programada do corpo humano. Minha validade parecia estar expirando.
Daí para a frente foi ladeira abaixo e eu virei um frequentador de consultórios médicos, tipo carro velho que toda semana tá na oficina. Quando não era um problema, era outro, mas fui levando. Firme como um Fiat 147.
Mas não foi só na saúde que senti diferença. No humor também sofri uma severa baixa. Nunca fui um primor de bom humor, mas dos quarenta para cá estou de parabéns. Fiquei mais ranzinza do que um velhinho com a dentadura machucando. Tudo me incomoda, mas principalmente quem fala alto. Detesto conversar gritando, o que por si só já seria o suficiente para passar a odiar baladas, se não fosse o fato de eu odiar aglomerações de gente.
Não me levem a mal, mas pessoas nunca são cachorros e o único coletivo que ainda me traz interesse é a matilha. Sentado no banco da praça no sábado de manhã, após ter varrido a minha calçada, eu não paro de sorrir enquanto minhas cachorras correm com os outros cães. Fico tão alegre que nem me importo de ser arrastado pela conversa fiada dos humanos presentes. Chego a fingir interesse, mas não me lembro se quer do assunto que conversamos.
Meu completo desprendimento da raça humana nos últimos anos tem custado minhas amizades. Nunca tive problema em fazer amigos, mas passei a última década filtrando todos eles até que agora só me restem uns poucos. Aprendi como é fácil ser substituído e isso me deu certo conforto por um tempo. Como se tirassem dos meus ombros a grande responsabilidade de ser presente. Hoje em dia já não sei se me sinto assim.
Os quarenta têm sido solitários. Eles surgiram no início da pandemia e não tiveram cura. Continuam me contaminando com seu isolamento e desconfiança do mundo, como se fossem algum efeito retardado da Covid. Acho que todos vivemos uma espécie de luto depois que as máscaras caíram e as portas voltaram a se abrir.
Na maior parte do tempo eu não me identifico com os quarenta. Tenho a saúde de sessenta, o humor de oitenta e carrego os sonhos de vinte anos. Coisas que talvez nem me caibam mais, ou que parecem tarde demais para se realizar. Vejo meus companheiros de geração tão determinados em seus caminhos e na maior parte do tempo só queria que alguém me dissesse o que preciso fazer. Não sei viver, estou apenas improvisando.
Sei que é só impressão, mas parece que todo mundo já entendeu o que é para fazer enquanto eu ando em círculos cada vez mais amplos, que não levam a lugar algum. Sei que é provável que todo mundo se sinta assim, mas pelo menos vocês disfarçam melhor do que eu.
Hoje estou mais perto dos sessenta do que dos vinte e a vida voltou a parecer curta. As pessoas dizem que eu não aparento a minha idade, mas sei bem tudo o que passei para chegar até aqui. Os caminhos que trilhei para ser quem sou. Alguém que talvez não seja tão assertivo em suas escolhas e nem preciso em seus desejos, mas que aprendeu a se reconstruir e continuar tentando, mesmo sem saber o que é para fazer.
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