O poço
On September 23, 2024 | 0 Comments
a black and white photo of a spiral staircase
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O céu sobre o poço estava coberto com as fagulhas fantasmagóricas de estrelas mortas. O resto era escuridão e a queda.

A sensação de queda tinha dado lugar a uma vertigem sem foco, sem alto ou baixo, para cima ou para o inferno. Uma flutuação eternamente congelada em seu estômago como uma volta na roda gigante, um impulso no balanço, só ida, sem volta. Um desfalir das distorções da gravidade. Sabia que caia, embora não estivesse certo da direção ou do tempo que conduzia tal queda. O coração em sustenido, no limiar entre o grito e o silêncio, pronto para o impacto que nunca vinha.

Tinha dúvida sobre o deslize que o tinha levado até ali. Um tropeço, um escorregão, um desequilíbrio. A maldade de uma mão amiga, o sopro secreto do destino. Um cadarço desamarrado. A própria vontade, um impulso. O rodopiar domesticado de um vento assombrado. Seus próprios pés. Suas próprias mãos. Um coração qualquer.

Nada.

Sua queda podia não ter origem, mas tinha destino: o despedaçar do profundo. O dilacerar do vazio.

Ao contrário do golpe, o choque foi como o toque delicado de um véu que deslizou por toda a sua pele e automaticamente soube que assim era a morte. Sua carne, estatelada em algum plano, não havia lhe transmitido os últimos impulsos de dor, deixando-o livre para vagar, intocado. Seu espírito absorto pela queda agora flutuava sem peso. Sentiu o peito leve. Quis gritar ao mundo e cantar aos outros. Buscou pelos amigos, pelos irmãos, por pai e por mãe. Ninguém o via. Em suas cabriolagens no teto e arrastar de móveis, ninguém o notava. Estava ali, mas era como não estar. O mundo penou e esqueceu.

Os dias passam. As pessoas passam. Os sentimentos passam. Só ele permanece.

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