Todos esperam o seu melhor em relacionamentos, na sua carreira, na sua arte. Até mesmo você espera por isso, mas o que você está recebendo de volta?
Tenho gastado meu tempo organizando as coisas. Às vezes me sento no chão com caixas de cabos sem utilidade, tentando me lembrar de onde eles vieram e se faz sentido mantê-los guardados. Ou vasculhando as gavetas do armário, tirando as roupas que já não servem mais. Faço o mesmo em arquivos do computador, nos frascos de condimentos da geladeira, nos cacarecos que ficam no quintal depois de qualquer obra. Separar, classificar, descartar, guardar. Começar tudo novamente. É um padrão. É minha mente tentando colocar o mundo ao meu redor em ordem, por onde ela consegue.
Não estou bem, e não estou bem faz um tempo, mas está tudo bem dizer isso em voz alta. O acompanhamento médico ajuda e os remédios no geral dão conta do recado, mas ainda não me acertei com um psicólogo e nem sei se vou me acertar, então tomei outros rumos e já sinto algumas diferenças. Uma delas é ter conseguido escapar da inércia e estar começando a colocar as coisas em seus devidos lugares. Uma dessas coisas sou eu mesmo.
Tenho tendencia a me negligenciar. Entre trabalho, família, amigos, cachorro e favores. Sou eu quem fico sem jantar por que não tive tempo de ir ao supermercado. Entre cumprir o prazo que um cliente espera e perder outra noite de sono. Sei que vou perder a noite de todo jeito, por fazer ou não fazer. — A ansiedade é um demoninho barulhento – Tenho dificuldade de me dedicar 99% em qualquer coisa. Eu faço direito, ou prefiro não fazer. Para mim o “Quase” é sempre uma angústia e as pessoas ao redor sabem disso.
Nessa onda de organizar as gavetas, entendi o quão fácil é para os outros se aproveitar desse meu jeito de fazer as coisas. Quando ganho uma tarefa nova, ela se torna meu objetivo de vida, mesmo que não seja o objetivo da minha vida e, novamente, fico de escanteio enquanto assumo essas obrigações. No fim a recompensa é sempre pouca, porque minha exigência inicial não foi nada e eu termino exausto e me sentindo injustiçado.
Trabalhei 31 dias direto no último mês em uma jornada de 12 a 18 horas por dia, não tive tempo para muita coisa, além disso, exceto as necessidades básicas de uma planta que não precise muito de sol. Do projeto, prefiro não falar aqui por motivos profissionais, mas é uma das coisas mais legais que alguém poderia querer fazer. Um presente para alguém que gosta de detalhes, como eu gosto, mas também uma armadilha para quem gosta de se dedicar como eu me dedico. Tive três ataques de pânico, desenvolvi uma insônia crônica, engordei três quilos e apesar disso tudo, ainda sinto que estou trabalhando no projeto dos meus sonhos e ainda quero que fique absolutamente perfeito.
Essa noite eu consegui dormir seis horas seguidas. Foi a primeira vez desde que essa loucura toda começou. Acordei mais cedo do que precisava e já estava pronto rolar na cama por mais um tempo, ou abrir o celular para lamentar a difícil vida do brasileiro, mas ao invés disso tentei algo diferente. Peguei o computador, me encostei nos travesseiros e aqui estou, voltando a escrever. Sem compromisso, apenas porque tenho tempo, porque dois neurônios, que a muito não se viam, hoje magicamente se encontraram depois de uma noite de descanso. Não tem prazo, nem cobrança, nem promessas. Não tem nenhuma decepção. Tem um silêncio bonito lá fora. E uma calma majestosa aqui dentro.
Ainda estou organizando gavetas, desembaraçando os nós dos fios, remendando cacos de coisas que nem tinha percebido que tinham sido quebradas. Tenho muita coisa para resolver daqui em diante, mas a lição mais importante que ganhei nessa semana é sobre autorrespeito e cuidado. Estou aprendendo que não preciso me contentar com o mínimo, muito menos ser grato pelo básico. Todos esperam o seu melhor, mas são poucos os que te valorizam realmente por isso, então é importante que você faça isso primeiro.
Talvez esse espaço continue a existir, uns minutos antes de me levantar, me senti confortável aqui. Diz para mim o que vocês acharam.
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