Tenho pensado muito sobre essa competitividade excessiva, sobre sabotagem e a autossabotagem que provocamos ao deixarmos cascas de banana pelo caminho.
Eu nunca gostei de Mario Bros. Nada contra o personagem, tive até uma simpatia por ele devido aos desenhos dos anos noventa, mas nunca gostei dos jogos, pois sempre me incomodou como Mario usava tudo ao seu redor para alcançar seus objetivos.
Pode parecer bobagem e talvez você ache que estou inventando, mas a forma como ele sacrificava o Yoshi para ganhar só mais uns centímetros e escapar da morte certa sempre me pareceu o cúmulo da crueldade (sempre tive um fraco para cenas de sofrimento animal) e como contador de histórias eu faria diferente.
Para o Mario o que importa é vencer, não importa o sacrifício ou a ética. A turma dele é toda errada. Só quem jogou Mario Kart sabe o que estou falando. O jogo que deveria ser, basicamente, vencer uma corrida de Kart com os personagens do jogo é, na verdade, uma grande arena de guerra, onde o que importa é sabotar as pessoas e promover o caos. Vencer não chega nem a ser importante, basta apenas que o outro não ganhe e para isso vale tudo, literalmente: tiro, porrada, bomba e até cascas de banana, largadas pelo caminho.
A vida já é bem cheia de cascas de banana e de gente disposta a pegar impulso na sua cabeça e te mandar para o abismo após você carregá-la nas costas por metade do mapa. Não preciso dessa reprodução da realidade em um jogo com cogumelos e tartarugas.
Sou orgulhosamente a pessoa menos competitiva que eu conheço. Tenho verdadeiro terror de qualquer tipo de disputa e não quero me comparar com ninguém. Isso já me rendeu alguns momentos engraçados e outros um pouco assustadores, com gente que vai ao direto oposto e que, no desespero, joga para trás as cascas de banana.
Minha competição é comigo mesmo e nesse ponto, posso dizer que sou hostil e mordaz. Exigente ao extremo. Quero fazer mais, melhor, mais rápido, de forma mais inteligente. Quero ganhar aquele centímetro a mais pelo Yoshi quebrando as minhas próprias unhas nas paredes do abismo.
– Vamos juntos, companheiro! Ninguém vai para vala desta vez!
Engana-se quem acha que competir sozinho torna as coisas mais simples. Não existem critérios de avaliação mais tênues, não existe padrão de exigência mais selvagem e você corre sempre o risco de estar se colocando objetivos impossíveis sem qualquer outra necessidade além do seu próprio desejo. É importante lembrar que existe uma linha de chegada, para não ficar correndo em círculos na pista, atrás das próprias marcas de pneu.
Essa semana estou me propondo alguns desafios. O primeiro deles é esse aqui. Me sentar algumas horas antes de começar a trabalhar para escrever três páginas sobre qualquer assunto que me venha a mente, sem me preocupar muito em fazer sentido, ou ganhar um Pulitzer. O segundo é manter a disposição de colocar a casa em ordem e seguir em frente.
Desde que me mudei para esse cantinho, fiz o que pude com o que tinha em mãos, para transformar uma casinha antiga em um lar do idoso que me tornei durante a pandemia e ela me serviu bem durante esse tempo. Minha jabuticabeira continua cheia. Os pássaros continuam na minha janela. O sol bate no quintal onde as cachorras se esparramam e se eu tiver sorte e tempo, abro a rede na varanda e posso curtir a brisa no fim de tarde, ignorando a discussão dos vizinhos.
É uma casinha de interior no meio da cidade e está tudo bem, mas como toda casa antiga ela precisa de alguns cuidados que evitei resolver por se tratar de uma casa alugada.
Tenho sobrevivido bem nessa casa ao longo dos últimos meses, mas agora chegou o momento de viver aqui. Os probleminhas e problemões, porém não desaparecem se você os ignora, apenas se acumulam, crescem incomodam mais, tornam-se grandes pontos obsessivos no seu dia, roubando inclusive sua concentração para resolver outras coisas.
Não quero mais me preocupar com a cachoeira da calha, ou com a piscina que se forma na porta da cozinha. Aquele pequeno vazamento na pia vai deixar de ser uma reclamação, assim como o barulho irritante do taco solto do escritório. Não precisa ser perfeito, só precisa não ser uma distração.
Mudanças são sempre oportunidades. Algumas assustam, outras são empolgantes, a maioria delas são impostas por algum mecanismo externo, mas nem todas. Sinto que estou em um fluxo de mudanças internas, começou pequeno e tem crescido. Algo novo vem aí e eu ainda não sei bem o que será, mas não importa. A casa vai estar pronta, terei espaço de sobra, sem jogar cascas de banana no caminho, nem pisar na cabeça de ninguém na beira do precipício.
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