Para quem perdeu, mês passado dei uma entrevista ao Eduardo Kasse sobre O que é Dark Fantasy. Foi um papo super legal, com mais de uma hora, que eu resolvi resumir na transcrição abaixo. Agora se você tiver com tempo e ansiando por piadas ruins (e não se incomodar com a minha voz de taquara), vale muito mais a pena assistir ao vídeo.
Para quem não me conhece eu sou Diego Guerra, escritor de Fantasia, Ficção Científica e Horror, autor da série Chamas do Império, do livro O Gigante da Guerra, criador da Gazeta Ordinária, um boletim eletrônico com contos gratuitos a cada 15 dias e da coleção Contos Postais, de flash fictions ilustradas em formato de cartões postais.
Olha, eu sempre escrevi e sempre quis escrever profissionalmente. Sempre fui uma criança imaginativa e era meio que o roteirista das brincadeiras de faz de conta que inventava com os amigos. Quando comecei a ler quadrinhos, quis criar meus próprios personagens, para um amigo meu desenhar. Na escola eu tinha problema nas aulas de redação, porquê elas eram sempre muito maiores do que os professores esperavam.
Escrevi fanzines, criei geocities, blogs, fiz experiências com livros eletrônicos, enfim, tentei de tudo um pouco de forma bem pouco estruturada. Até contos no mural da escola eu costumava deixar.
Sempre fui um cara de constância. Coisa meio compulsiva mesmo, de escrever só pelo exercício físico, não me imaginava fazendo mais nada da minha vida. Mas a vida é uma caixinha de surpresas, um kinder ovo estragado e sempre tem um idiota no nosso caminho.
Eu cruzei com uns tantos que acabaram me fazendo desistir de escrever. Não de forma amadora, eu ainda mantinha blogs, mas já não tinha projeto a longo prazo, era mais um lance pessoal mesmo, praticamente de diário.
Acho que foi mais ou menos por ai que comecei a ter crises de depressão e virou um ciclo sem fim, quanto menos escrevia, mais deprimido ficava, quanto mais deprimido, menos eu escrevia. Foi uma bola de neve que foi crescendo durante vários anos, até que eu explodi. Já não escrevia nada. A vida era uma grande merda.
Só fui voltar quando estava no fundo do poço. Sofri um acidente e quebrei a perna. Fiquei 3 meses de cama e daí não tinha como me esconder mais. Foi quando voltei de verdade a escrever e foi também quando nasceu O Teatro da Ira, o primeiro volume da Chamas do Império.
As pessoas costumam chamar de Dark Fantasy todo tipo de fantasia voltada para o público adulto, mas não é isso. Tem uma série de confusões aqui, até porquê esses termos são novos e como tudo que é novo, os conceitos acabam sendo um pouco fluídos, então autores diferentes vão considerar um aspecto ou outro.
Eu particularmente gosto da definição de Dark Fantasy como mistura entre fantasia e terror. Então o Dark Fantasy seria uma história fantástica onde o aspecto fantástico (a magia, as criaturas, a atmosfera) são embebidas na estética do terror. No Dark Fantasy é importante manter a fragilidade humana diante do sobrenatural. Ao contrário da alta fantasia, onde dá até para desafiar os deuses e tomar uma cerveja mais tarde.
Olha, eu sempre gostei de escrever histórias de terror, sempre gostei de ouvir causos da roça, com assombração, lobisomem e o diabo. Quando comecei a escrever histórias de fantasia, foi meio natural que eu acabasse misturando as duas coisas, não foi planejado, mas eu não me vejo como autor de Dark Fantasy não. Prefiro me ver como autor de grimdark. É um termo mais recente ainda que Dark Fantasy, mas que para mim faz mais sentido.
No grimdark a presença de magia é mais misteriosa, as vezes quase subjetiva. Aquele lance do “pode ter sido magia, ou pode ter sido coincidência”. Eu gosto mais. Até porquê o que horroriza a gente no grimdark é a própria humanidade. O que pra mim faz muito mais sentido.
Chamas do Império é uma série que conta um momento turbulento do Império de Karis, o maior império da história, depois que o novo imperador declara o fim da escravidão. É uma história sobre guerras, mas é mais focada nos soldados do que nos generais. Na maior parte do tempo a gente mal sabe o que está acontecendo na guerra como um todo. Dá pra dizer que a guerra é o cenário da história que acaba reunindo os personagens cada um com seus próprios objetivos. Nesse cenário o mercenário Jhomm Krulgar é convencido a acompanhar uma nobre que está viajando para o sul com informações que podem influenciar nos rumos da guerra, com a promessa de que ele vai ter a chance de se vingar de um dos homens que matou sua amiga de infância.
Jhomm é um cara problemático, cheio de traumas, meio louco mesmo. Foi criado como se fosse um cachorro quando era criança, vivendo dentro do canil e tudo mais. Em muitos aspectos é quase um animal selvagem. O que consegue dosar um pouco da loucura dele é Khirk, um escravo liberto que o criou quando Jhomm fugiu do seu primeiro tutor. É a partir do ponto de vista deles que a gente vai vendo a guerra que se avizinha.
Gosto. E gosto muito. Sempre gostei de histórias de guerra, sobretudo histórias da segunda guerra mundial, mas também das histórias da guerra dos cem anos, da guerra civil americana e da guerra do Paraguai. Acho que a guerra é o maior horror que o ser humano pode causar a si mesmo e que é o contraste para a gente enxergar os pequenos momentos de esperança e coragem. Aquela vela na escuridão, sabe? Sempre oscilando com o vento e ameaçando apagar.
Tive o prazer de participar de algumas profissionalmente nos últimos anos. Escrevi um conto para Duendes: Contos Sombrios de Reinos Invisíveis, com uma história chamada “A Sombra da Colina do Rei” que fala de um prelado que vai investigar o desaparecimento do seu irmão, nas fronteiras do Império e mais recentemente participei com um conto viking, para “Nas Palavras dos Skalds” onde explorei a idéia da miscigenação dos vikings que atacaram o mediterrâneo, com Kåre um viking negro e sua mãe Yrsa, capitã do navio Donzela das Ondas. Também tive dois contos relâmpagos publicados na Faísca, da revista mafagafo. Continhos bem curtos de 300-600 palavras.
Escrever conto é um troço bastante difícil.
Além do Teatro da Ira, que é o primeiro volume da Chamas do Império, eu publiquei também A Lenda do Mastim Demônio, que conta a infância do Jhomm Krulgar, sua criação medonha e como ele acabou conhecendo Khirk.
Tem também o Gigante da Guerra, que é uma espécie de Drama de Guerra Fantastico, ou algo assim. A história de duas crianças que tomam conta da fazenda sozinhos, quando o pai vai lutar pelo Imperador e acabam encontrando um gigante desertor do exército. Gosto de dizer que é uma história daqueles que são deixados para trás quando a batalha começa. Também tenho dois projetos independentes: A Gazeta Ordinária, com um conto inédito grátis a cada 2 semanas. E Contos Postais, que é uma recompensa para os apoiadores do meu catarse (amo todos vocês) e podem ser comprados avulso direto no meu site.
Aprender a manter o suspense. Lembrar que os personagens são falhos e é isso que os faz humanos. Entender que a magia não deve ser usada como muleta de plot, ou seja, a história não pode depender de um elemento mágico que caiu do céu para resolver o seu enredo e por último e o mais polêmico: não use violência gore sem justificativa. Ninguém se choca mais com esse tipo de coisa e fica bastante óbvio quando o autor usa isso como artifício estético. As vezes o horror está naquilo que você não mostra.
(suspiro) Bem, estou no processo de criação de dois contos para antologias que devem sair este ano, tenho duas noveletas prontas procurando caminho para publicar e pretendo lançar uma antologia com os contos que eu escrevi em 2020 para a Gazeta Ordinária. Tirando o que já está pronto, espero que este ano tenhamos o lançamento do Volume II do Chamas do Império e a continuação da Gazeta Ordinária que se tudo correr bem, terá 26 edições.
Primeiro queria agradecer ao Kasse pelo convite, é sempre um prazer bater esse papo. Também queria mandar um agradecimento para os membros do catarse que me apoiaram para um caralho em 2020, sempre me incentivando e provocando para não deixar a peteca cair. Aos resenhistas que gastaram um tempinho para ler um autor desconhecido e por fim a todos os leitores que me mandam perguntas, comentários, críticas e me ajudado a alimentar minhas histórias. Sou grato a todos vocês.
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