Dia desses, passei na frente de uma dessas hamburguerias modernas, feita para os jovens animais carniceiros, com todos os seus cacarecos empilhados na vitrine sobre uma placa: “Vende-se tudo”. Não era um restaurante que eu frequentava, francamente não gostava muito da comida, mas não deixei de sentir pena pensando no drama das pessoas que sobreviviam daquele comércio. Não apenas os donos, claro. Sobretudo dos funcionários, cozinheiros, garçons, faxineiros. Famílias inteiras que podiam estar ficando sem sustento em um momento em que tudo ficava mais difícil e mais caro.
Dei dois passos, pensando nas lojas que tinha visto fechado nos últimos tempos, restaurantes, sorveterias, distribuidoras de bebida, docerias. Tudo que foi sendo varrido para a devastação que ia ocupando as ruas. É verdade que haviam alguns loucos abrindo suas lojas, se aproveitando dos aluguéis baixos para tentar a sorte, mas seu número parecia sempre menor a cada dia. Resolvi dar a volta para olhar, talvez pudesse comprar alguma coisa, mesmo não precisando de nada. Uns copos ou talheres a mais não me fariam mal e a gente sempre encontra espaço para um item de decoração que seja engraçado o suficiente.
Dentro do salão, as pilhas se acumulavam. Pratos, garfos e copos. Liquidificadores industriais, caixinhas de som, milhares de lâmpadas, sacos de guardanapo, bebidas, umas cadeiras que ainda não tinham sido levadas. Pedaços. No meio de tudo, um casal diante do computador, olhando o inventário e conversando em voz baixa.
Dei boa tarde, com a sensação de que estava invadindo um espaço muito íntimo. Eles se ajeitaram, retribuindo o cumprimento. Olhei ao redor, meio sem saber se devia ou não entrar, sem saber direito o que deveria falar. Os dois me olhando esperando acontecer alguma coisa e no silêncio constrangido que seguiu, só consegui dizer:
– Que triste.
A mulher baixou a cabeça, o homem acenou e deu de ombros em um “pois é”, de quem tenta se conformar. Perguntei se podia dar uma olhada, mesmo parecendo não haver nada pelo que eu pudesse realmente pagar. A tristeza dos dois era óbvia. Sozinhos, era certeza de que os funcionários já tinham sido dispensados. Senti um certo arrependimento de ter entrado. Como se tivesse invadido o velório errado e alguém estivesse me perguntando de onde eu conhecia o falecido, mas ali estava eu. Olhando os restos de um projeto, pensando em quantos outros haviam por ai.
– É terrível mesmo. Ninguém saiu sem sequela desta crise.
– Verdade, mas não foi a crise não. O quarteirão foi comprado. Está sendo tudo demolido.
Tinha notado. Metade do quarteirão já tinha vindo a baixo, deixando a região com aspecto de cidade bombardeada. No lugar dos edifícios baixos, restavam apenas cacos de dentes das paredes e farelos de tijolo pelo chão. O restaurante ficava na outra metade. Na que eu pensei que sobreviveria. Era igual para todo lado. O bairro tinha se tornado um imenso cupinzeiro. A nuvem de pó se espalhando pelas ruas como tempestade de areia.
Apesar da pandemia não ser motivo para fechar, eles me contaram que era a razão para não reabrir por um tempo. Não tinham um endereço novo, até que tudo passasse.
Toda crise é o dinheiro mudando de mãos. A máxima “toda crise traz uma oportunidade” é uma verdade incontestável para quem não se importa de explorar a desgraça alheia. Bancos, planos de saúde, construtoras, fazendeiros, mineradoras. Gente que se banqueteia com os ossos depois de te convencer de que arrancou sua perna pelo seu próprio bem.
Em um dos cantos do restaurante encontrei uma garrafa de tequila. Fiquei com ela e duas lâmpadas para o abajur de casa. Não foi nenhuma pechincha e por mim tudo bem. Já haviam carniceiros demais rondando pelo país. Eu não precisava daquela oportunidade.
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