Um belo dia eu recebi uma mensagem inusitada. Na tela Eduardo Kasse me pedia para conversar quando eu tivesse um tempo. Eu estava disponível e não é todo dia que Eduardo Kasse quer falar contigo. Na minha cabeça se passaram os motivos para a conversa. Seriam excelentes ou péssimas notícias, de toda forma o dia seria atípico.
Sou um grande fã de romances históricos. Nunca escondi o quanto Bernard Cornwell me influenciou em seu estilo de escrita e eu sempre admirei os autores do gênero que conseguem conciliar com maestria a criatividade com a extensa pesquisa histórica necessária para que tudo esteja em seu lugar. Se a Inglaterra produziu Bernard Cornwell, o Brasil produziu Eduardo Kasse, que uniu o histórico e o fantástico na sua série de imortais, Tempos de Sangue.
Em 2018 Kasse iniciou sua nova série, sobre uma tripulação viking liderados por Siv. Vikings: Berseker já teve dois spin-offs em quadrinhos, “Morte ao Troll” e “Noite em Valhala” e agora a história dos Vikings está chegando ao fim com o lançamento de “Vikings: Nidhogg”, uma história sobre o crepúsculo da era viking, e da velhice de Siv.
Kasse queria saber como andava a minha agenda para escrever um conto viking. Do meu lado da tela eu ri e sacudi a cabeça. Um milhão de coisas passando ao mesmo tempo enquanto Thor me acertava com Mjolmir. Tinha acabado de entregar um conto pra uma antologia, precisava escrever uma crônica para o site e preparar a próxima gazeta, isso sem falar no romance que (sendo honesto) ficou parado por pura falta de tempo nas últimas semanas. No meio disso tudo eu precisava entregar três freelas diferentes e continuar trabalhando. Estava bem perto do meu limite e a ideia de escrever um conto histórico, com toda a pesquisa necessária, em um universo que eu era apenas vagamente familiarizado era assustadora; então respirei fundo e fiz a única coisa sensata que alguém responsável poderia fazer: Respondi que topava.
O prazo era apertado, a campanha já estava no ar, eu recebi apenas duas diretrizes: Um conto Viking ao estilo Dark Fantasy. Quando fechei a janela do chat com o Kasse, quase que imediatamente eu soube que escreveria a história de um viking negro. Não sei de onde veio essa ideia, não saiba nem se era possível, não estava escrevendo uma história fantástica em um mundo secundário onde minha palavra era lei. Ficção Histórica é outro tipo de demônio e eu já estava me amaldiçoando por ter topado aquela ideia. Aceitada a tarefa, só me restava me afundar na pesquisa.
Pesquisar para escrever é puxar a ponta de um novelo sem fim. Você começa tentando descobrir a composição de uma tripulação viking e termina conhecendo os rituais de coroação do Império de Gandha. Cada resposta encontrada gera uma nova pergunta e cada pergunta gera um cem número de possibilidades, novas pesquisas, novas ideias, novas respostas, mais perguntas. Em algum momento eu comecei a entender que precisava ter um limite, não podia continuar naquele ritmo por mais tempo. Por mais interessante que fosse conhecer a origem dos penteados estilo rastafári, eu precisava aceitar que não teria todas as respostas antes do prazo terminar.
Sem escolha, ignorei minhas inseguranças e me sentei para planejar o que eu podia criar com aquilo que eu já sabia. Um viking negro, a exploração viking do mediterrâneo, a tomada da Sicília, a ocupação moura do norte da africa. Três grandes religiões que se encontravam em menos de 10 mil palavras. A história girava em torno de crenças, religião, entidades obscuras, coragem, traição e uma boa dose de pancadaria.
Com o planejamento aprovado, comecei a escrever, mas “treino é treino e jogo é jogo”. Logo o planejamento se tornou mais uma lista de sugestões do que um mapa. As questões históricas foram se acumulando. Como eram as roupas? As casas? Qual era a língua? Como tal posso se referia a si mesmo? Como cada religião interpretaria esse mesmo acontecimento? Senti vontade de bater com a cabeça no teclado até que a história acontecesse, mas sabia que estatisticamente isso levaria tempo demais.
Hoje eu acordei mais calmo. Reli o que escrevi vi potencial para um romance de duzentas mil palavras. Achei que era um bom sinal. O prazo de entrega se aproxima com a velocidade de uma locomotiva. Bom, eu pensei, talvez a campanha não alcance a meta estendida. Se não alcançarmos 225% da meta, meu conto não vai entrar no projeto. Imaginei, esperançoso. Abri a campanha no catarse. O conto da Ana Lúcia Merege já estava garantido e faltava pouco para o conto da Aya Imaeda também se tornar recompensa. Eu era o próximo. Estava lá, na terceira fileira, vendo o pau comer a minha frente. Sangue e tripas para todo lado. Gente matando e morrendo aos prantos e/ou sorrisos no rosto. E eu era o próximo. Fugir não era uma opção.
Felizmente não está nas minhas mãos. Para saber como essa história termina, apoie a campanha do catarse e assista de camarote enquanto eu termino de arrancar os pelos da minha barba. Em breve vocês conhecerão Kåre e sua mãe, Yrsa. Que os Verdadeiros Deuses me ajudem.
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