Um tempo atrás eu me envolvi em uma discussão da internet (desculpa gente, eu juro que eu tento), que me deixou um bocado insatisfeito, sobre as motivações de um personagem. O motivo da minha insatisfação não me era claro naquele momento e (como tudo o que não é claro não é fácil de explicar) eu provavelmente perdi a discussão, mas não o incômodo. Depois de uma aula na oficina de contos do Fábio Fernandes, eu finalmente consegui entender o que vi de errado naquele assunto e onde a discussão tinha se perdido. Havia uma confusão arraigada entre motivação e objetivo de personagens.
É comum dizer que personagens interessantes possuem uma boa motivação, mas existe um equívoco quando tentamos explicita-los a audiência. Na maior parte das vezes podemos dizer com bastante clareza qual é o objetivo do personagem, mas a resposta sobre a sua motivação as vezes não surge.
O que normalmente acontece é que usamos o objetivo do personagem como sua motivação, o que não podia ser mais errado. A motivação é um motor interno que guia o personagem através da história, levando-o (ou não) ao seu objetivo. A motivação de um personagem não é a dominação de um império, isso é o seu objetivo. Sua motivação pode ser, por exemplo, a certeza de que o império é o responsável pela morte de inocentes e por isso tem que acabar.
Agora, pensando comigo, quanto mais pessoal for o motivo, mais interessante e real o personagem se torna. Se por exemplo o personagem for um forasteiro que vê o Império como algo ruim e resolve acabar com ele, a motivação é fraca. Se o forasteiro for membro de um dos povos oprimidos pelo Império, a motivação melhora, agora se o forasteiro viu a carnificina durante a tomada de uma cidade e acha que ela foi motivada pela dominação do Império, você se põe no lugar dele e imagina que é motivo o suficiente para se iniciar uma guerrilha. Se você levar um passo além e fazer dessa carnificina uma perda pessoal do personagem, é o suficiente para justificar até os mais hediondos objetivos. E ai é que está a diferença.
Quando dizemos que o objetivo de Palpatine, o Imperador de Star Wars, é o controle do universo, isso não quer dizer nada. Porquê ele deseja controlar o universo? O que ele fará depois que isso acontecer? Como ele justifica todas as decisões cruéis que ele toma ao longo da sua trajetória?
Quando fiz essa pergunta, recebi como resposta que Palpatine era da ordem Sith e eles queriam destruir os Jedi, mas isso realmente não explica nada. Apenas empurra a responsabilidade sobre as decisões de Palpatine para uma “força superior” que controla o personagem como um marionete, o que realmente não resolve a questão, servido apenas como uma transferência de responsabilidade. Embora o objetivo de Palpatine seja claro (e o objetivo da maioria dos vilões geralmente é), sua motivação não é mencionada nos filmes.
Com isso eu finalmente intendi o que me faz gostar tanto de uns personagens e muito pouco de outros. Em especial antagonistas cujos objetivos geralmente são o motor da história, mas cujas motivações são tratadas superficialmente, sendo pouco convincentes. Toda história tem dois lados, até o mais cruel ditador da história humana, internamente, conseguia se justificar e se enxergar como o herói da própria história, mesmo que para isso ele precise distorcer fatos e mentir a respeito, ele nunca irá se enxergar como um vilão, mas sim como um herói incompreendido.
Isso não quer dizer, é óbvio, que sua história precisa contar a versão do antagonista. Palpatine, Sauron, Voldermot e quase todos os lordes das trevas que você imaginar, não são exatamente uma pessoa, mas sim uma representação de uma força maior. Você pode entende-los como uma força da natureza que inadvertidamente empurra os demais personagens em uma direção e está tudo bem se o fizer. Talvez, no fundo, essa escolha seja mais filosófica do que estética.
O mesmo, porém, não pode ser dito sobre os protagonistas da história. Se a motivação do seu personagem não for clara em sua mente, você corre o risco de fazer todas as decisões do personagem em busca de um objetivo se tornarem rarefeitas e incoerentes. Sua motivação não precisa ser muito complexa, mas precisa ser forte o suficiente para que nós entendamos o peso que ela possuí na busca pelo seu objetivo. Com a motivação bem delineada em sua mente, as decisões dos personagens se tornam quase automáticas, tornando-o mais vivo e interessante.
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