Terry Pratchett e a importancia da literatura fantástica
On August 25, 2015 | 0 Comments
terry2_2241265b

Nota do Tradutor: Esse post só caiu na minha mão graças a preciosa indicação de Camila Fernandes, e foi escrito originalmente no site de Patrick Rothfuss, autor de O Nome do Vento, que tão gentilmente nos transcreveu parte de uma entrevista dada pelo autor de Discworld, o falecido Terry Pratchett. Eu tinha um monte de coisas para fazer hoje, a semana não tem sido fácil, mas no momento em que eu li esse artigo eu sabia que precisava ajudar a divulgá-lo e a melhor forma de fazer isso era traduzindo-o para o português.

Pratchett não foi apenas um autor brilhante, mas também um personagem único do tipo que toca a vida das pessoas, sem estrelismos, sem holofotes, apenas sendo quem ele era. Esse artigo escrito por Rothfuss que eu irresponsavelmente tomei a liberdade de traduzir nos dá uma ideia da pessoa maravilhosa que o mundo perdeu com a sua morte.

Como sempre, a responsabilidade sobre qualquer erro na tradução é toda minha, e do autor original são todas as glórias por ter compartilhado o texto. Meus agradecimentos mais uma vez a Camila Fernandes por ter publicado o link, aposto que muitas pessoas ficarão em débito com ela.

Artigo traduzido:

No início deste ano [2015], quando eu estava na Alemanha em turnê, Terry Pratchett faleceu.

A notícia não foi um choque completo. Nós sabíamos há muito tempo que ele andava doente. Tivemos anos para nos preparar para o impacto inevitável.

Mesmo assim, ela me bateu com surpreendente força. Eu não esperava isso.

Provavelmente você sabe, se sabe um pouco sobre mim, que eu tenho sido um fã de Pratchett por anos. Se você me segue no Goodreads provavelmente já me viu escrever comentários tão efusivos que fazem fronteira com o inarticulado.

Eu não o conhecia. Honestamente, eu nem sequer sei muito sobre ele. Eu o vi falar uma vez em uma convenção em Madison, e cheguei a conhecê-lo muito brevemente. Escrevi sobre isso no blog.

O fato é que o seu trabalho (e algumas das coisas que eu sabia sobre ele) teve um enorme impacto sobre mim.

Então sim. A notícia me atingiu com um bocado de força.

Se você está em seus anos 20 e 30 e lendo este blog na internet, pode ser difícil para você entender que nossas opiniões sobre autores costumava vir quase inteiramente a partir da leitura seus livros. Mesmo depois da internet surgir ofegante na do período devoniano da década de 1990, coisas como mídias sociais e blogs de autor simplesmente não existiam em qualquer modo significativa.

Como resultado, uma das minhas primeiras exposições a Terry Pratchett como uma pessoa foi em uma entrevista no Onion em 1995. Só para se ter uma ideia da estrutura de tempo. Isso foi na época em que você podia pegar uma cópia de The Onion impresso em papel. Mais do que isso! Da época em que ele estava disponível somente em papel, e mesmo assim, você só poderia obtê-lo em minha cidade natal, Madison, WI.

O que Pratchett disse naquela entrevista teve um grande efeito em mim em como eu vinha trabalhado meu próprio romance a alguns anos até aquele ponto.

[Encontrar essa entrevista] precisou de algumas escavações (como eu disse, este foi publicado pré-internet), mas aqui está ela:

 •••

O: Qual é o motivo desse chapéu grande pra burro?

Pratchett: Ah … É o chapéu que eu uso. Eu não sei, é … É … Esse chapéu, ou tipos como ele, eu tenho usado por anos e anos. Porque eu comprei um, e eu gostei. E então as pessoas começaram a tirar fotografias minhas com ele, e agora, certamente no Reino Unido, é quase certo que se eu não usar o chapéu as pessoas não vão saber quem eu sou. Então, talvez eu pudesse enviar este chapéu para eventos. Eu só gosto de chapéus. Eu gosto excursões australianas porque a Austrália é realmente o grande país chapéu.

O: Você é um bom escritor. Você tem um dom para a linguagem, uma mão hábil na construção do enredo, e seus livros parecem ter uma enorme quantidade de atenção aos detalhes. Você é tão bom que você poderia escrever qualquer coisa. Por que escrever fantasia?

Pratchett: Eu tive um almoço decente, e estou me sentindo muito amável. É [só] por isso que você ainda está vivo. Eu acho que você teria que me explicar por que me fez essa pergunta.

O: É um gênero bastante menosprezado.

P: Isso é verdade. Eu não posso falar sobre os EUA, onde eu meio que vendo bem. Mas no Reino Unido eu acho que cada livro – eu acho que fiz vinte da série – desde o quarto livro, tem sido um dos dez maiores best-sellers nacionais, tanto com capa dura ou quanto com capa brochura, e muitas vezes com ambas as edições. Durante doze ou treze anos eles tem sido o número um. Eu escrevi seis juvenis, todos eles, no entanto, passaram para a lista de best-seller adulto. Em uma ocasião eu fui o best-seller adulto, o best-seller em paperback em um título diferente, e um terceiro livro na lista de bestsellers juvenil. Agora diga-me mais uma vez que este é um gênero menosprezado.

O: Certamente ele é considerado menos do que a ficção séria.

P: (suspiros) Sem sombra de dúvida, a primeira ficção que foi contada era fantasia. Rapazes sentados em torno da fogueira – Foi você que escreveu a crítica? Eu pensei que tinha reconhecido – Caras sentados ao redor da fogueira contando uns aos outros histórias sobre os deuses que fizeram o relâmpago, e coisas do gênero. Eles não contaram um ao outro histórias literárias. Eles não se queixaram sobre as dificuldades da andropausa de um palestrante juvenil em algum campus universitário do meio-oeste americano. A fantasia é sem sombra de dúvida, a literatura primitiva, a fonte da qual toda a literatura tem voado. Até algumas centenas de anos atrás ninguém teria discordado com isso, porque a maioria das histórias eram, em certo sentido, fantasia. Voltando na Idade Média, as pessoas não teriam pensado duas vezes antes de trazer a morte como um personagem que teria um papel a desempenhar na história. Ecos disso podem ser visto em O Peregrino, por exemplo, que remetem a um tipo muito anterior de contar histórias. O épico de Gilgamesh é uma das primeiras obras de literatura, e pela norma que se aplica agora – um grande indivíduo musculoso com espadas e certas conexões divinas – Isso é fantasia. A literatura nacional da Finlândia, o Kalevala. Beowulf, na Inglaterra. Eu não posso pronunciar Bahaghvad-Gita, mas a um indiano, você sabe o que quero dizer. A literatura nacional, o que está subjacente a tudo o resto, é pelos padrões que aplicamos agora, uma obra de fantasia.

Agora eu não sei o que você poderia considerar como literatura nacional americana, mas se as palavras Moby Dick entrarem nessa conversa, o que quer que fosse, também era uma obra de fantasia. Fantasia é uma espécie de plasma em que outras coisas podem ser realizadas. Eu não acho que este é um gueto menosprezado. Isto é, a fantasia é, quase que um mar em que outros gêneros nadam. Agora, pode ser que não tenha se desenvolvido nos últimos séculos um subconjunto de fantasia que utiliza apenas uma iconografia diferente, e que é, se você gosta, a literatura séria, o candidato a Booker Prize. A fantasia pode ser literatura séria. Fantasia tem sido muitas vezes literatura séria. Você tem que ser meio cabeça dura para que As Viagens de Gulliver sejam apenas uma história sobre um cara que se diverte entre as pessoas grandes e pequenas e cavalos e coisas assim. O livro era sobre era outra coisa. A fantasia pode carregar um fardo muito sério, e por isso aceitar o humor. Então, o que você está dizendo é que, tirando fora os trolls e anões e outras coisas e colocando todos em roupas modernas, levando-os a agonizar um pouco, mencionando Virginia Woolf algumas vezes, e há! Ei! Eu tenho um romance sério. Mas na verdade você não tem que fazer isso.

(Pausa) Essa foi uma boa resposta sangrenta, embora eu digo por mim mesmo. Estou ansioso para comprar-me um chapéu de queijo.

O: Voltando para o chapéu.

P: Vamos voltar para o chapéu … Todo mundo precisa de uma borda, e se o chapéu lhe dá uma vantagem, por que não usar um chapéu? Quando você começar a escrever, você é mais um na multidão. Se o chapéu te ajuda, eu vou usar um chapéu – Vou usar dois chapéus! Na verdade, eu estou indo definitivamente comprar um chapéu de queijo antes de eu sair daqui. Nós nunca ouvimos falar deles no Reino Unido, e eu posso vê-lo como sendo a última coisa na moda.

Ok, você pode desligar o gravador novamente.

Na verdade, eu me lembro onde eu estava quando eu li isso. Agora, vinte anos mais tarde, eu me lembro onde eu estava sentado enquanto eu segurava o papel e lia o.

Eu não vou ser clichê e dizer que mudou a minha vida.

Você sabe o que? Eu vou. Eu vou dizer isso. Ele mudou minha vida.

Lembre-se que ano foi isso. Foi em 1995. Isso foi antes de Harry Potter ser escrito. Antes de Neil Gaiman escrever Lugar Nenhum.

Pixar acabava de lançar seu primeiro filme. Não havia Matrix. Nada de Sexto Sentido. Nenhuma Senhor dos Anéis. O Labirinto do Fauno e Hellboy surgiram uma década depois.

Não havia Game of Thrones na HBO. Inferno, não havia sequer Legend of the Seeker. Buffy a Caça Vampiros veio 2 anos depois, e levou mais alguns anos até ser reconhecido como um programa de televisão brilhante, em vez de uma bobagem fofa com vampiros.

Eu estava escrevendo meu romance de fantasia a cerca de dois anos, e enquanto eu amava fantasia, eu sabia que no fundo, era algo que eu deveria sentir vergonha. Romances de fantasia eram os livros que li quando era criança, e as pessoas me provocavam por isso. Não haviam aulas sobre o assunto na Universidade. Eu sabia que no fundo em meus ossos que não importa o quanto eu amava fantasia, era tudo uma grande besteira.

Mesmo nos dias de hoje, as pessoas olham de cima para baixo para a fantasia. Eles pensam nisso como coisa de criança. Eles a rejeitam como inútil. Eles dizem que não é realmente literatura. As pessoas dizem isso AGORA apesar do fato de que Game of Thrones e O Hobbit e Vingadores e Harry Potter serem maiores do que os Beatles.

Isso é AGORA. Se você não estava por ai antes, você realmente não pode compreender como era muito pior antes. Quando eu dizia às pessoas que eu estava trabalhando em um romance de fantasia, um monte de gente nem sequer sabia realmente do que eu estava falando.

Eu dizia: “Eu estou escrevendo um romance de fantasia” e as pessoas olhavam para mim com confusão e preocupação sincera em seus olhos, e perguntavam, “Por quê?

Então eu li esse artigo, e isso me encheu de esperança. Com orgulho.

•••

Eu tenho mais a dizer sobre isso, mas este blog já é muito longo. E eu estou saindo para PAX na parte da manhã, então eu vou guardar o resto para a próxima semana

Seja bom para todos,

Patrick Rothfuss

via Thoughts on Pratchett.

Leave a Reply

More news