Escrever, infelizmente, não é minha atividade principal. É algo que corre em paralelo com o que eu faço para pagar as contas. Grande parte dos escritores, sobretudo no Brasil, mantém a arte como atividade paralela. São médicos, camelôs, engenheiros, chefes de cozinha, donos de loja, publicitários, tradutores, revisores, empresários, professores, taxistas etc., que lutam diariamente para não deixar esse pequeno animal selvagem morrer de fome dentro do peito. Escrever tem também algo de vícioso.
Escrevemos no horário do almoço, esperando pelo ônibus, em sábados e domingos longe da família, indo dormir mais tarde ou acordando mais cedo. Escrevemos escondido no trabalho, sempre com medo de que alguém veja, espremidos entre uma tarefa e outra. Tomamos notas em guardanapos e em pedaços de saco de pão, em cadernos que se perdem pelo tempo, em arquivos que esquecemos de salvar. Conversamos com os amigos analisando seus modos e constrangemos alguns descrevendo-os em outros personagens. Escrever é uma arte quase sempre solitária, que envolve tempo e concentração, muito tempo gasto em silêncio e bastante dedicação. Acho que posso dizer com alguma segurança que todo escritor gostaria de viver da sua arte. Não, não é um desejo de ser milionário, mas sim de poder dedicar mais tempo ao que a gente gosta de fazer, sem tantos sacrifícios.
Aprender a ganhar algum dinheiro com isso, é algo que poucos conseguiram. Em números, em uma conta rápida, um escritor precisaria vender dez mil livros por ano (daria algo em torno de 2,5 mil reais por mês) para ter alguma chance de viver exclusivamente disso, mesmo que de forma bastante modesta. A maioria deles não vende mil livros em um ano. A grande maioria não vende cem livros por ano.
Pensando em todos esses problemas, eu fico um pouco incomodado quando ouço as pessoas defendendo a pirataria de livros de forma tão firme. Ser autor não é como ser musico (não que esteja defendendo a pirataria de musica, apenas fazendo um paralelo), você não tem a chance de fazer shows para completar a sua renda, nem é muito comum você encontrar um escritor como garoto propaganda de refrigerante.
A venda do livro (ou do artigo, ou conto) é a única forma que o autor tem de ganhar dinheiro com a sua arte e acho estranho alguém dizer que pirataria não é roubo. Se você tira do autor o dinheiro que ele iria ganhar com a venda, como pode não ser roubo? Outra coisa que costumo ouvir é que as grandes editoras ganham muito dinheiro e isso não vai fazer falta. Algumas editoras realmente ganham muito dinheiro, outras mal pagam as contas, mas pensar nas coisas desta forma é resolver o problema a curto prazo. A longo prazo, se a Editora não ganhar dinheiro ela fecha. Se ela fechar, os livros precisarão ganhar outro caminho para chegar até o leitor. Sim, alguns autores continuarão escrevendo por amor, sim alguns autores não sentirão a real diferença, uma vez que não vendem mais do que mil livros por ano. Mas para alguns isso pode realmente ser uma decisão crucial. E eu fico pensando se é justo que uma decisão tão importante na vida de uma pessoa seja tomada por outras que não vão gastar um mínimo de esforço para fazer o mesmo.
Se alguém dissesse que entrar numa padaria e levar seu pão sem pagar não é roubo, porquê ele é necessário para quem está passando fome e todas as pessoas começarem a pegar o pão de graça, a padaria fatalmente irá fechar as portas. É a venda do pão que subsidia as suas operações. (Ah, mas o pão existe de verdade, o padeiro gastou farinha, água e ovos para fazer o pão, o autor não gasta nada para fazer o livro, o livro é só uma idéia e as idéias precisam ser livres.) Ai eu volto ao começo desse texto, sobre o tempo e os sacrifícios feitos pela obra. nessa linha de raciocínio o autor é algo semelhante ao escravo, que tem que se matar de escrever para dar sua obra a um bem maior? Talvez. Mas essa decisão não é sua. É dele. Exigir que todos os autores façam isso é, como diria meu avô, fazer cortesia com o chapéu dos outros. Acho louvável que alguns autores realmente não se importem em receber por seu trabalho, assim como acho louvável um médico que trabalha de graça, ou um professor que de aulas de graça. Eu mesmo tenho esse blog em caráter absolutamente gratuito, para quem quiser ler ficar a vontade, mas foi uma escolha que eu fiz. Uma escolha que cabe a cada autor fazer.
Enquanto não encontrarmos uma solução para que o autor possa viver de sua obra, sem honorar seu leitor, esta pequena contribuição que o leitor faz para o seu sustento é absolutamente necessária. Sempre que eu compro um livro, eu penso que estou ajudando o autor a escrever o próximo, a não parar só nesse. Agora, se você acha que o livro é caro, pense que o autor vai precisar vender 10 mil livros ao ano, para poder viver de sua obra. Com a sua contribuição, serão apenas 9.999 livros.
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