Tenho sentido dificuldade em escrever. Minha psicóloga diz que este silêncio é justificável, por conta de todos os problemas que venho enfrentando ao longo do tempo; às vezes, ficamos meio deslocados e sem saber muito bem como expressar o que se passa dentro de nós. No entanto, acho esse silêncio estranho e, mais estranho ainda, é o silêncio sobre o silêncio, como se tivesse perdido um órgão vital e já não sentisse a falta dele em minha vida cotidiana. É como se tivesse entrado em uma bolha, onde as palavras se tornaram opacas e inatingíveis, e eu, por vezes, me pergunto se um dia voltarei a sentir a vontade de compartilhar meus pensamentos. Cada vez mais, percebo que há um vazio que se instalou em minha comunicação, como se as emoções que antes fluíam com facilidade agora estivessem represadas, e isso me deixa inquieto, buscando respostas que parecem se perder na incerteza.
Sobretudo, tenho sentido dificuldade de escrever ficção. Tentando me motivar, dei uma olhada em um documento onde guardo meus contos curtos, a maioria deles não publicados. Duzentas mil palavras que acumulei como passivo criativo ao longo do tempo. O resultado não foi o que eu esperava.
Não lembro da maioria dos contos. Depois que escrevo acontece uma espécie de exorcismo da história dentro de mim e com o passar do tempo consigo ler tudo como se fosse algo novo e alheio. Da primeira história que li, não gostei nem um pouco. Parecia não terminada. Algo feito as pressas e que não levava a lugar algum. Da segunda história eu me lembrava melhor, foi um conto publicado do qual me orgulho um pouco, mas a terceira história me deixou surpreso. Plantava sementes, desenvolvia ideias e tinha um ponto de ruptura que me surpreendia. Fiquei maravilhado e na sequência fiquei triste.
Não tenho ideia de como escrevi aquela história. Se fosse escrevê-la hoje, não saberia nem por onde começar. Ao invés de me motivar a escrever, senti um desânimo imenso. Que tudo o que eu podia ter feito um dia agora tinha se perdido, consumido no pós-pandemia. Sinto que o mundo realmente acabou naqueles tempos. Sou um fantasma que assombra seus restos, eternamente em suspenso. Nos tornamos uma colônia funcional de mortos-vivos.
Poucas vezes fiquei tanto tempo sem escrever e nelas todas eu enfrentei grandes problemas, o que parece ser uma consequência normal, mas que em minha mente se inverte, como se fosse possível os problemas nascerem do fato de eu não estar escrevendo. É assim que meu cérebro processa: se não escrevo, tudo dá errado.
O que tem diferente desta vez é a ausência quase completa da ansiedade que isso comumente me traz. Talvez eu esteja velho, ou talvez sejam os remédios, mas ao invés da agonia esperada de que o silêncio se acabe, eu sinto um cansaço abismal, como se todo o peso das palavras estivessem se acumulando em meus ombros e me pressionando para baixo. Tudo que eu consigo pensar é em descansar um pouco mais e esperar que as coisas melhorem no dia seguinte. Na semana seguinte. No mês seguinte. Talvez no próximo ano.
Não sei exatamente pelo que estou esperando. Que o trabalho fique mais fácil. Que não precise mais dos remédios psiquiátricos. Que um médico decrete o fim do meu tratamento e o desaparecimento do meu tumor. Uma intervenção divina e sagrada que traga de volta meu talento. Ou qualquer coisa que me tire desse pântano, onde venho apodrecendo diariamente.
Enquanto um milagre não me salva, me contento com esse desabafo saudoso, apenas para ouvir o barulho do teclado e me lembrar da época em que eu realmente tinha algo a dizer. Este sou eu, lutando mais um dia.
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