Essa semana faço 40 anos. Não vai ser em breve, não vai ser nos próximos anos, não vai ser depois de eu me casar e ter dois filhos, conhecer o mundo e ter uma carreira estável. Será essa semana. Meu apartamento está uma bagunça, minha conta bancária vive no vermelho. Eu converso com os cães e por enquanto eles não me respondem. Quarenta anos. Vi um pouco do mundo, mais do que meus pais, menos que os meus sonhos. Realizei algumas coisas, nem de longe tudo o que havia na minha lista. Tenho fios brancos crescendo por toda parte, quando sorrio formam-se rugas no canto dos meus olhos, acordo no meio da noite com câimbra e parece que estou sempre com sono, mas não consigo dormir.
Esses dias me dei conta de que estava mais perto dos cinquenta do que dos vinte, embora meu cérebro tenha dificuldade em processar essa informação. Eu me lembro de sair para beber com os amigos e acordar num banco de praça, reluzente e pronto para outra rodada. Hoje, uma cerveja me deixa de ressaca. O tempo é brutal e envelhecer nunca fez parte dos meus planos.
O projeto era morrer aos 27 como os grandes nomes do rock e me tornar uma lenda, que viveu muito e se foi cedo, mas ainda estou aqui. Raspando as laterais do meu cabelo e lutando pela liberação das drogas, menos conservador do que nunca. Pela manhã ainda acordo como se a vida estivesse apenas começando, quando, a bem da verdade, já vislumbro alguma coisa lá na frente, embora por enquanto seja só uma sombra. Cronos sente fome e, me empurrando com o garfo, gosta de brincar com as minhas memórias.
Outro dia uma ex-colega de trabalho me ligou para pedir dicas de um fornecedor. Passei os contatos, ela me perguntou sobre a vida. Não havia o que dizer. “Você sabe, pandemia”. Ela respondeu que me acompanhava pelo facebook e que eu havia mudado bastante. Desliguei o telefone bastante intrigado. Como alguém poderia mudar tanto de um dia para o outro? A sensação era de que estávamos trabalhando juntos na semana passada, mas quando fiz as contas, já tinha quase dez anos.
A vida não anda em passos, anda aos saltos. Para frente e para trás, marcada por nossas histórias. A maioria das minhas amizades já tem mais de uma década e em todos os casos, sinto como se fosse agora. O tempo ao meu redor nunca foi tão fluido. Dias se transformam em anos, anos se transformam em horas. Eu ainda sou o garoto que brincava com cordas e facas, exibindo orgulhoso as cicatrizes das traquinagens do dia, mas as procurando em minhas mãos, elas estão se esvanecendo, como as minhas lembranças de como as consegui.
Anteontem, eu estava dançando em minha formatura, ontem eu estava fugindo para outro país, hoje cedo eu tinha me separado, quinze minutos atrás eu publicava meu primeiro livro. Faz trinta segundos que eu me apaixonei novamente e tudo isso está acontecendo de novo, exatamente agora, assim como já aconteceu antes.
Sinto saudades impossíveis de gente que nem conheço mais e metade das minhas lembranças eu já não sei se são verdade ou um delírio que tive em uma praia de santos. A realidade se esfarela, sem importância e por algum motivo eu não sinto medo, nem remorso, nem tristeza sobre nada do que eu vivi. O que conquistei é uma profunda paz e uma vasta curiosidade.
– As pessoas dizem que a vida é curta – um grande amigo me disse uma vez – mas a verdade é que ela é longa demais.
Não sei a quanto tempo tivemos essa conversa. Com certeza antes do câncer que devorou seus últimos anos, mas isso pode ter acontecido nos últimos 15 minutos ou na última década. As palavras persistiram.
– A vida é muito longa e você precisa arrumar um jeito de preenche-la para que não fique insuportável.
Sinto falta daquelas conversas.
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