A segunda edição da Revista Mafagafo deste ano foi escrita por Waldson Souza (Oceanïc, Editora Dame Blanche), escritor e pesquisador de afrofuturismo. A edição é da Bárbara Prince com capa ilustrada por Tiago Lacerda. Um conto de 7600 palavras que dá para ler de uma única sentada, sem cansar.
Aliás, falando em cansar, devo elogiar a iniciativa da Revista Mafagafo em disponibilizar as edições em formato e-book, o que facilitou muito a leitura. Para quem não se lembra, uma das minhas únicas reclamações da edição de Cabará em Chamas, foi justamente a necessidade de ler online, direto na página da revista. Desde então a Mafagafo mantém cada edição online, mas também – depois de algum tempo – disponibiliza a versão epub e mobi, para quem (como eu) já não tem a vista tão jovem quanto antigamente. Obrigado.
Voltando a edição de fevereiro, “Uma esfera para cada feitiço”, conta a história de Lúcio, um trabalhador de uma fábrica de feitiços, que justo no dia em que pede demissão vê a cidade ser invadida por criaturas demoníacas que parecem atacar apenas pessoas racializadas. Lúcio e seu namorado Caio, partem em busca de um feitiço capaz de deter a invasão, acabando por esbarrar em uma barreira que vira de ponta cabeça tudo o que ele considera como real.
Não se deixe enganar pela sinopse, porém. O que você irá ler está longe de ser uma história de espada e feitiçaria. Não existem grandes cenas de ação nesta história, além da necessária para contextualizar o mundo, dando a Lúcio as ferramentas para filosofar sobre quem ele é de verdade e o que ele quer da sua vida. As discussões de Waldson neste livro estão em torno do que nós aceitamos como real e os limites dos nosso cotidiano.
Lúcio é um protagonista bastante passivo, o que me incomodou um pouco no início. A história gira ao seu redor sem que ele faça nada a respeito exceto ser quem é e estar onde está, faltando iniciativa para sequer entender o que está acontecendo. Faltou a história o motor de um antagonista que provocasse Lúcio ao conflito, mas nada disso estraga a experiência, até porquê o objetivo aqui é outro.
Quero dizer que eu não consigo me importar com algo que desconheço e que sinto ser falso. Em vez disso, apenas solto o braço e caminho até meu quarto.
Waldson é um contador de histórias bastante preciso e sabe nos conduzir pela história de forma bastante fluida. Os diálogos de Lúcio, tanto externos quanto internos, soam naturais e mesmo nos pontos onde uma explicação mais minuciosa se faz necessária, o texto não tem nada do pedantismo chato onde uns autores acabam escorregando na tentativa de ser mais didáticos. Waldson consegue contar uma história independente e fechada, com uma leve pincelada com o “universo maior” do seu livro “Oceanïc”.
No fim nos identificamos com Lúcio e seu sentimento de inadequação ao mundo ao seu redor, ele já não pode mais ser quem era e não sabe quem é a partir daquele ponto, vivendo uma eterna nostalgia de algo que nem sabe se foi real. Todos já passamos por um sentimento parecido e aqui a inércia do personagem faz todo o sentido, se adaptando à sua nova realidade e se acomodando, mesmo sonhando com um mundo melhor.
“Uma esfera para cada feitiço” é uma história doce e melancólica, onde descobrimos que romper os nossos limites, ao invés de nos dá a liberdade, apenas nos transporta para outro tipo de prisão.
A Revista Mafagafo é uma publicação gratuita, editada por uma equipe de pessoas apaixonadas por literatura fantástica. Esta edição conta com a mão de Fernanda Castro, Jana Bianchi e Giovanna Cianelli, o ebook foi diagramado por André Caniato e eu acho que vocês deviam perder menos tempo lendo essa resenha e correr para ler a história.
Depois comentem o que vocês acharam.
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