“Se esta carta chegou as suas mãos, por favor, não se assuste, é com você mesmo que eu gostaria de falar.”
Foi com essas palavras que eu escrevi pela primeira vez uma carta a uma pessoa desconhecida. Eu era apaixonado por cartas e vivia ansioso para me corresponder com outras pessoas. Nela eu falei um pouco sobre quem eu era e sobre um desejo genuíno de transformar a vida de quem estava lendo, nem que fosse por uns breves minutos, quebrando sua rotina com algo completamente inesperado, como uma carta de um desconhecido.
Devo ter escrito umas quatro ou cinco cartas ao mesmo tempo, anotei CEPs aleatórios em cada um dos envelopes, fui até uma agência do correio, completei os endereços e joguei minhas garrafas ao mar. Correndo para casa ansioso, como se as respostas fossem surgir instantaneamente na caixa de correio.
Nunca obtive resposta. Também não recebi nenhuma carta de volta. O que me faz acreditar até hoje que elas realmente chegaram a algum lugar.
Como vocês podem imaginar, isso foi antes da internet, dos e-mails, das mensagens de SMS e orelhões de cartão. A ideia de “resposta instantânea” só existia na nossa imaginação, mesmo um pager (bip), requeria certo tempo para que a pessoa entrasse em contato de volta. Eram tempos mais simples e o mundo era um lugar vasto e completamente desconhecido.
Quando dei início a Gazeta Ordinária, confesso que não tinha muita certeza do que estava fazendo. Havia um sentimento de nostalgia, mas era vago, como se estivesse exercitando músculos que tinha me esquecido de possuir. Ou me lembrando de um sonho, de uns dias atrás.
Levou um tempo para começar a acertar o que era a Gazeta Ordinária e como gostaria que ela chegasse até as pessoas. Não queria que ela se tornasse outro folheto de pizzaria enfiado debaixo da porta digital dos outros, mas que fosse ansiada, como a carta de alguém de quem não ouvimos falar faz tempo.
Só recentemente eu me lembrei das cartas que coloquei no correio para pessoas que eu não conhecia e então comecei a fazer a conexão. Os tempos são outros, as intenções são as mesmas.
Chegando a sua 12º Edição, não sei se consegui o que eu queria, mas consegui coisas que não imaginava. Graças a Gazeta, eu escrevi vários contos novos, artigos para o site, resenhas de filmes e livros que tropecei pelo caminho. Nela falei sobre minhas frustrações, sobre minhas alegrias, contei sobre como ajudei a encontrar um novo lar para um cachorro e sobre como uma simples chave esquecida em cima da minha mesa me assombrou por dias. Colonizei marte, capturei uma musa, enfrentei fascistas com um megafone na minha janela. Tornei o fantástico ordinário, e fiz do comum algo fantástico.
A Gazeta Ordinária se tornou tão grande que já teve seus filhos: Contos Postais, histórias curtas e ilustradas, enviadas mensalmente para os apoiadores do catarse e as Crônicas de Segunda, uma coluna sobre o dia-a-dia publicadas no site entre uma edição da Gazeta e outra. São os três juntos que vêm me ajudando a manter a sanidade nesse tempo de quarentena. Mensagens na garrafa que eu entrego à maré a cada quinze dias, enquanto espero uma embarcação surgir no horizonte.
Talvez eu não tenha conseguido o que queria, quebrar a rotina das pessoas levando para elas um pouco de magia, mas talvez não fosse a rotina dos outros que eu queria ver quebrada. Fosse a minha. A Gazeta Ordinária faz eu me sentir como aquele mesmo menino estranho, escrevendo cartas para desconhecidos e correndo para casa, ansioso pela visita do carteiro.
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