O universo literário nacional – principalmente o ligado a literatura fantástica – é cheio de plots novelescos, com grupos, facções e personalidades conspirando pela ascensão e queda de aliados e inimigos. As tramas são tão embrenhadas e sanguinolentas que George R. R. Martin ficaria com inveja da criatividade das pessoas. Apesar de todo dia amanhecer com um sol violento e uma treta nova, existe pelo menos uma questão que é recorrente em grande parte delas.
Como lidar com as críticas.
Essa copa do mundo aprendemos com o menino Neymar a vergonha que é se jogar no chão e fazer cena toda vez que alguém encosta a mão em você. O resultado das birras de Neymar é difícil de mensurar e mais difícil ainda de corrigir. As suas frequentes quedas e cenas se tornaram memes de todos os tipos, replicadas em quadros de humor e placas de banheiro. Em sua tentativa de se redimir, em um vídeo piegas patrocinado por uma empresa de barbeadores, ele se defende dizendo que “não é mimado, apenas não aprendeu a se frustrar”, sem perceber que essa é a exata definição de mimado. O resultado foi o oposto do que se esperava.
A literatura fantástica nacional anda cheia de neymares. Basta uma crítica, uma olhada torta, uma sugestão, que os neymares da literatura se jogam no chão, esperneiam, fingem a própria morte e torcem para que o juiz (que aqui se apresenta como opinião pública) compre a sua intepretação e puna o agressor.
As argumentações contra as críticas são invariavelmente a mesma: “Nós temos que nos apoiar e defender, isolando esses invejosos e frustrados que vão destruir a literatura nacional.” Como se o grande problema da literatura nacional fossem as pessoas que apontam os erros e não os erros em si.
Eu sou de uma opinião bem diversa. Acho ofensivo que a literatura nacional venha sendo tratada como café-com-leite, como se fosse uma coisa frágil que não pudesse ser critica. A literatura fantástica nacional a algum tempo caminha sem o andador. Na avalanche de novos autores que todos os dias inundam a internet com textos, surgem grandes autores e excelentes autores (e alguns grandes e excelentes autores), conquistando o seu espaço sem fazer vergonha a nenhum mercado. Chegou o momento em que ela precisa maturar e evoluir e é para isso que as críticas servem.
Todo esse ambiente “estéril” que tem se criado ao redor da literatura fantástica nacional deixou de fazer bem a algum tempo. A frase que eu mais ouço dos resenhistas e estudiosos com quem converso é: “não quero resenhar livros nacionais porquê autor nacional não sabe ouvir críticas e eu me sinto obrigado a falar bem do livro.” Os resenhistas estão fechando as portas para os autores nacionais para não ter que lidar com as birras frequentes, as ameaças de boicotes, os fandonssanguinolentos. Pode ser uma bobagem a curto prazo, mas a longo prazo o que estamos fazendo é bloquear o melhor (e para muitas pessoas o único) caminho de divulgação do nosso trabalho quando tiramos do resenhista o seu direito a ser sincero, engraçado e, as vezes, até cruel. Estamos nos conformando com a mediocridade de nossa arte para não lidar com as críticas. Preferindo sorrisos falsos ao invés de punhaladas sinceras.
Em nossa tentativa de “defender a literatura fantástica nacional” a estamos limitando em todo o seu potencial, impedindo-a de ver os próprios erros. Eu, particularmente, não vejo destino mais cruel para um artista que se leve a sério do que adulação cortês de quem prefere a paz.
Um autor que se leve a sério precisa enfrentar as armadilhas do ego a cada vírgula de sua vida. Ele precisa tomar cuidado com os elogios e com as ofensas, precisa aprender a ouvir as críticas, selecionar o que importa e descartar o que não interessa. É assim que se aprende e se evolui, tanto nos elogios gentis, quanto nas avaliações neutras e nas críticas mais ácidas. Um autor que não consiga lidar com esse tipo de avaliação precisa repensar sua relação com a arte para não se frustrar e fazer birra. Para o mercado dar o seu próximo passo, é preciso profissionalizar os autores que estão começando e para que isso aconteça, eles precisam aprender a ouvir quando seu trabalho está bom e quando ficou ruim. Não importa quantos gols o menino Neymar é capaz de fazer durante um campeonato se ele ficar se jogando no chão toda vez que alguém der um tapinha em seu ombro. Se você recebeu qualquer crítica, boa ou ruim, repita essas palavras: “Obrigado pelo seu tempo em olhar o meu trabalho, vou pensar no que você disse para tentar fazer melhor da próxima vez. Posso enviar novamente, se você estiver interessado.” Eu garanto com 100% de certeza de que por pior que seja o seu trabalho, você manteve uma porta aberta. Pense nisso.
Meu nome é Diego Guerra, sou designer e autor de dois livros, O gigante da guerra e O teatro da ira. E ficaria feliz em ouvir suas críticas a respeito do meu trabalho.
There are no products |