Clichês existem, são reais, estão por toda parte e ninguém está 100% imune a eles. Jhomm Krulgar, o mercenário selvagem do Teatro da Ira não deixa de ser um clichê que eu apimentei com um passado monstruoso e um futuro pior ainda. Um clichê existe porque funciona, mas isso não significa que você precisa usá-lo em sua forma bruta, você deve deturpá-lo, para que ele tenha a sua cara e fuja do que é previsível. Lembrando sempre que mais vale um clichê bem escrito do que uma ideia “inovadora” (com aspas mesmo) mal realizada. Bem, é sempre bom avisar que essa lista reflete um gosto pessoal e não diz respeito a nenhuma obra específica, então vamos começar:
Quem não conhece a história do príncipe (ou princesa) que, após a morte dos país, se protegeu no anonimato, misturado a plebe até o dia em que alguém lhe fala de suas origens e ele passa a lutar pela sua herança. O príncipe oculto é sempre nobre, leal e honesto, como se tudo isso fosse uma característica genética que o valida como futuro governante e herói da nação. A história é um clássico mitológico, bíblico, literário e cinematográfico e se você estiver escrevendo uma história assim, pare agora e comece de novo.
Se o seu personagem principal é uma guerreira ruiva de biquíni de metal usando uma espada gigante, existe 99,9% de chance de você ser um rapaz que precisa de uma namorada. Sério. Deixe esse personagem de videogames de lado e concentre-se em uma heroína de verdade. Sim, a mulher sexy e bad-ass também é um clichê ambulante, mas já que você quer escrever uma personagem desse tipo, seria bom escapar dos apelos visuais para atrair seus leitores. Quem é essa mulher? Pelo que ela luta? Como ela se veste? Não, não tem justificativa cultural para ela estar lutando com um biquíni de metal, exceto uma forma bizarra de suicídio. O cinema e a literatura vêm sendo recheadas de mulheres guerreiras com a personalidade de um pires, não faça isso com seus leitores de novo.
Em algum lugar em uma terra sombria, tem um castelo sombrio, onde vive um lorde sombrio que controla um exército sombrio. Cujos objetivos quase que invariavelmente é a dominação/destruição do mundo. Se eu acabei de descrever seu antagonista, entenda: eu escrevi mais da metade dos antagonistas da fantasia e provavelmente todos os da alta fantasia. Toda vez que eu leio uma história e encontro o senhor das trevas, sinto na alma a preguiça do autor em desenvolver o personagem, mas calma. No fim, tudo é uma questão de motivação. Classificar o senhor das trevas como a encarnação do mal que precisa ser combatido é só uma forma de fugir do trabalho que dá encontrar as motivações para ele agir dessa forma. O lado bom é que se você encontrar uma motivação forte o suficiente para o lorde das trevas agir como antagonista dos seus heróis, você terá uma história muito mais forte. Minha dica é: para criar o antagonista, gaste o dobro do tempo que você levou para criar o protagonista. Ele é quem vai colocar a história em movimento.
Gente, chegamos ao século XXI, as mulheres estão nas ruas protagonizando a própria história. Ninguém aguenta mais a donzela indefesa que fica sentada na cela esperando o herói vir salvá-la. Piora um bocado quando ela é a única garota da história e só aparece como objetivo/prêmio do herói. Aqui vale de novo aprofundar a personagem, tirá-la do genérico e leva-la ao original. Ajuda para caramba se ela tiver ações com impacto real na trama da história. Faça o teste, se você puder substituir a garota em perigo por um objeto inanimado sem mudar muita coisa na história, fique com o objeto inanimado. Sério. Ninguém precisa de uma personagem ocupando o lugar de uma cadeira.
Muitas vezes o príncipe oculto é também o escolhido da profecia, mas nem sempre. Se seu herói foi escolhido pelas forças divinas para encarnar a profecia e salvar o mundo, eu espero que ele morra de forma patética. Talvez esse seja o clichê que eu mais odeie em toda a lista e um dos poucos que me faz ter vontade de desistir de prosseguir com a história. A profecia é outro artifício preguiçoso do autor para colocar a história em movimento. É genérica, batida e bastante monótona. Parece familiar? Pare ai mesmo. Ninguém merece ver essa história de novo.
Outro caso de preguicite do autor. O personagem surge adulto no meio da ação e ninguém nunca sabe nada sobre o passado dele. O mistério pode parecer sedutor, mas a gente sabe que na verdade o autor teve preguiça de pensar em uma história para ele, sua família e os primeiros anos de sua vida. Personagens com amnésia e órfãos entram aqui, no lodo da falta de imaginação. Gaste uns minutos pensando na infância do personagem, em como ele cresceu, qual foi a sua formação, o que ele gostava de fazer, o que era obrigado a fazer, quem foram seus familiares, quem eram seus amigos, como era a casa onde ele viveu. Gaste um tempo transformando esse pedaço de papel sem graça em alguém que respira, anda, se apaixonou, bateu e apanhou. Não poupe sua história de cicatrizes, elas o tornarão único.
Todo mundo sabe que os monstros são do mal e os heróis são sempre lindos. O exército do senhor das trevas tem que ser monstruoso e genérico, para ser decapitado sem a menor pena pelo belo príncipe em seu cavalo branco. Alguém já se perguntou por quê? Exércitos monstruosos, ou soldados genéricos com mascaras sem rosto, são uma forma de desumanizar o inimigo e torna-lo indigno de piedade. Esse mecanismo é usado no treinamento militar ao redor do mundo inteiro, criando uma barreira natural entre os exércitos. Essa massa uniforme de guerreiros sem valor são como o mingau mais sem graça que você pode usar em uma história. Toda guerra tem dois lados e ninguém se enxerga como o vilão da própria história, então pense no que faz os seus exércitos lutarem. Transgrida as questões estéticas e faça um herói feio, um vilão apaixonante, um exército bonito e orgulhoso que luta por uma causa aparentemente justa. Humanize seus monstros.
A verdade é que essa lista poderia ser muito maior. O velho mago sábio, o negro místico, a Inglaterra genérica, o catolicismo disfarçado, etc. Não acho que a presença de qualquer um destes clichês fará a sua história imprestável, mas você pode ter certeza de que vai precisar se esforçar duas vezes mais para me conquistar se um destes aparecer na sua história. Não é preciso muito para fugir das histórias comuns, as vezes a dificuldade fica em identificar onde estamos repetindo velhas histórias, se este for o caso, espero mesmo ter ajudado.
E vocês, o que não aguentam mais ver em histórias de fantasia?
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