Quarenta dias atrás, começou um movimento de mudanças na minha rotina, que convergiram para o hoje, uma sexta-caos.
Eu não tinha ideia de onde tudo iria parar quarenta dias atrás, mas a uns trinta dias já tinha sido obrigado a aceitar algumas mudanças. Depois de um dia de forte chuva, com uma cachoeira dentro da minha sala, já não adiantava tentar encontrar alguém para resolver a calha do meu telhado; eu agora precisava encontrar um ser místico chamado telhadista, que resolveria de uma vez o problema, SE eu pudesse convencê-lo a fazer um orçamento. Não foi uma busca fácil.
Foi um mês tenebroso. Abril Sombrio. Todos os demônios pareciam soltos no mesmo lugar. Vazamentos, objetos quebrando sozinhos, insônia, tudo parecia funcionar pela metade, até que perdi um arquivo porque o computador desligou sozinho.
Já mais de 23h, e eu estava condenado a trabalhar até de madrugada. Respirei fundo e dei uma surtada. Mais uma daquele mês, cheio de surtos.
Era óbvio que não podia continuar daquele jeito e que se naquele ritmo precisava me dar ao menos condições melhores de sobrevivência. Com o tanto que estava trabalhando, com a quantidade de horas extras que vinha acumulando, era hora de investir na estrutura onde construiria minha futura sanidade e com isso me recompensar por todo o trabalho que tive naquele mês de 33 dias com 16 horas de labuta mínima.
Somando a isso tinha algumas reservas em caixa, uns freelas para receber, uma vontade imensa de me livrar dos problemas e um plano a curto prazo para tornar a vida menos insalubre. Após dez longos anos de companheirismo e fidelidade, finalmente trocaria o meu computador. Confesso meu sentimento de culpa. Meu computador foi absolutamente fiel nos últimos anos. Tudo o que tenho hoje veio dele, através do meu trabalho e esforço. Ninguém nunca me deu nada, nem uma chance, mas era tempo de seguir adiante.
Claro que os freelas demoraram a cair. Que as horas extras não foram pagas como o combinado. Que a calha ficou um absurdo de cara. É claro que o computador custou o dobro do preço. Que trocar dez anos de tecnologia envolveria trocar mais do que uma carcaça, que no meio dessa história nenhuma roupa agora me servia. Claro que vi as economias de meses de trabalho desaparecendo da conta mais rápido do que pão em praça de pombo.
Tenho psiquiatra daqui a pouco. Minhas sessões costumam acontecer a cada dois meses, apenas como acompanhamento de rotina, para verificar as receitas, mas meu médico pediu para que voltasse em um mês – o que no geral significa que ele está preocupado com alguma coisa – e hoje é o dia do retorno, o que já daria uma bela bagunçada na minha manhã. Para ajudar hoje eu tenho duas entregas importantes no trabalho; projetos que já estão sem prazo; sem fôlego, sem vontade. Além disso, tudo; preciso buscar parte do equipamento novo; que de todos os dias possíveis (é claro), tinha que chegar hoje (e ser pago).
E no meio desta sexta-caos, entre prazos, ubers e pílulas, eis que surge o telhadista, com suas calhas de zinco debaixo do braço, um sorriso maroto nos lábios, vinte por cento de acréscimo no orçamento e a promessa de que até o fim do dia o serviço vai estar terminado.
Todos os últimos 40 dias apontam para hoje e parece que vou finalmente ter algumas coisas resolvidas. Ferramentas novas para uma nova fase, um telhado descente sobre a minha cabeça. Poder olhar por janelas, reais ou virtuais, sem temer que tudo se apague de repente e que precise começar tudo novamente.
Não sei se é verdade. Não sei se o telhado vai estar terminado. Não sei se o psiquiatra vai dobrar minha dose. Não sei se vou ser roubado no meio do caminho e todo meu equipamento será levado. Sobre a entrega de hoje, já sei que não vou ter tempo de fazer como quero, mas vou fazer o melhor possível, como sempre faço e cumprir as promessas que fiz, como o profissional que aprendi a ser. Estou tentando controlar a minha ansiedade e falhando miseravelmente, mas acho que tenho os meus motivos.
No meio desta sexta-caos, duas coisas permaneceram certas: consegui vir aqui e escrever essas três páginas e no fim do dia, vou ter algumas novidades para contar a respeito de tudo. Mas acho que infelizmente hoje, não vai dar tempo para fazer a aula de pilates.
Gostou deste texto? Assine a Gazeta Ordinária, e não perca nenhum outro.
There are no products |