Não deixe para escrever depois
On May 11, 2023 | 0 Comments

Se você tem alguma coisa para escrever, faça agora. Não deixe para escrever depois. Em cinco minutos pode ser muito tarde. Em cinco segundos pode ter desaparecido.

O maior pecado do escritor é deixar para escrever depois. Não existe erro mais clássico do que acreditar que daqui a dois minutos, quando você tiver finalmente terminado esse e-mail, você vai se virar para o lado e tomar nota daquela ideia brilhante que estava surgindo entre dois pedidos enfáticos para que a reunião seja remarcada. Ao fim, garanto, só teremos farelos.

Ter um caderninho mal-ajambrado sempre a mão, uma caneta descente, ou mesmo um lápis, é o caminho da paz de espírito. Anote sem critérios! Anote sem jogar nada fora. Depois selecione.

Se engana quem achar que este seja um conselho para amadores. Escritores são seres distraídos, a maioria dos autores que conheço deixa escapar umas cinco ideias por dia. A diferença entre o amador e o profissional fica só na quantidade e em como lidam com isso. Os profissionais sentem que outras ideias virão, eles têm a experiência ao seu lado para se dar ao direito de desperdiçar uma ou duas pérolas, outros talvez não tenham essa mesma sorte.

Eu tenho um caderno de enredos. Toda vez que tenho uma ideia para uma história, anoto o enredo. Alguns são banais, outros interessantes, aqui e ali uma grande pérola que mereceu a chance de ser escrita.

De dentro deste caderno saíram praticamente todos os contos da Gazeta Ordinária, alguns ensaios para contos de antologia e uma piscina de projetos que só sairiam do papel clonando e escravizando o Stephen King em uma fábrica chinesa de histórias.

Porém, nem sempre, as anotações são feitas para guardar uma boa história. Às vezes são feitas apenas para nos livrarmos de uma obsessão com uma história ruim. Tirar a ideia da mente, colocá-la no papel e olhar para o enredo de outro ângulo, muitas vezes é o suficiente para me dizer que a ideia não funciona e que estou no caminho errado, então posso seguir adiante para a próxima história.

Grafomania é uma tendência compulsiva por escrever e riscar. Daí veio o “grafomaníaco” que foi blog independente por um tempo e que acabei importando direto para o site, mas que acabou ficando um pouco negligenciado, assim como tudo o mais ao meu redor.

Foi justamente nesse espaço que encontrei conforto para voltar a escrever e os últimos textos parecem ter se encaixado bem por aqui, então acho seguro dizer que estamos aqui para ficar, como esse grande bloco de notas mutável, cheio de ideias ruins e incoerentes, misturadas a eventuais pérolas.

Acho que como primeira característica, podemos dizer com uma boa dose de certeza de que não é um espaço linear, mas de fluxo. Raramente sei por onde começar e nunca tenho ideia de onde vai terminar. Funciona para mim, espero que funcione também para o inadvertido leitor que por curiosidade ou falta de aviso, adentrar nessas páginas.

A segunda distinção, se ainda não ficou claro, é que se trata de um diálogo interno ao qual deixo vocês darem uma espiadinha. Metade das coisas que escrevo, são notas que faço tentando reforçar meus próprios pensamentos, a outra metade são fagulhas de festim e fingir que sei o que estou fazendo.

Escrever na cama tem ajudado. Escrever antes que os dois demônios selvagens do dia a dia, o ódio e a ansiedade, saltem na cama e me arrastem para conspurcar o mundo com merda, tem me dado uns minutos de silêncio e tranquilidade, que combinam bem com o barulho macio dos meus dedos procurando o caminho entre as teclas do computador (Aqui deixei uma ideia, que talvez eu volte para pegar depois).

Sempre gostei desse limiar entre sonho e realidade, esse momento semidesperto, onde os pensamentos ainda não estão claros e associações estranhas podem acontecer, vozes silenciadas se fazem presentes e você pode transitar por pensamentos, memórias e criações.

Às vezes ouço diálogos inteiros, como se os personagens estivessem ao meu lado. Às vezes surgem apenas lábios no escuro, soprando ordens, palavras esquecidas, quase como comandos mágicos que me impulsionam para algum lugar sem que eu saiba ao certo ao motivo. Construir espaços criativos muitas vezes é uma questão temporal, não espacial, e é nesse tempo que estou construindo o meu.

A terceira diferença desse lugar é que seja um espaço de ensaios, mas de textos curtos. As três páginas sugeridas por Julia Cameron no seu “Caminho do artista” ou minhas mil palavras diárias, que ofereço como sacrifício e base as musas demoníacas da inspiração, são meu teto e farei o possível para preservá-las.

E por último, e mais importante, este não é um espaço fixo. Não tenho nenhum compromisso em mantê-lo e não assumo nenhum período de obrigatoriedade. Que seja livre e dure o quanto funcione, sem outra obrigação ou intenção, além de uma pequena dose de dopamina em um mundo que em alguns minutos vai começar a gritar meu nome.

Meu tempo hoje acabou. Gostou do texto? Não deixe para escrever depois.


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