Sou um cara covarde. Sei que provavelmente esse não é o jeito ideal de se começar um perfil em um site de relacionamentos, uma entrevista de emprego ou uma conversa em um bar de motoqueiros, mas não deixa de ser verdade. Na minha lista de medos estão: aranhas, alturas, cavernas, guerras nucleares e abduções alienígenas. Também já tive medo de fantasmas, mas com o tempo aprendi a lidar com eles. Já matei aranhas, já pulei de lugares altos e atravessei cavernas, espero sinceramente não precisar experimentar os últimos dois itens da lista.
São os mesmos medos que eu tenho desde que era uma criança. O relógio do fim do mundo anunciando os minutos que faltavam para a meia-noite, as aranhas que deslizavam pela parede do meu quarto na chácara onde meus avós viviam, as cavernas com mundos jurássicos, homens morcegos e outros demônios das histórias de ficção científica, a sensação de queda do carrinho de bebe quando eu não devia nem me lembrar. Alienígenas.
Talvez o medo tenha surgido enquanto eu folheava a pilha de revistas “Planeta” que alguém tinha abandonado na casa dos meus avós. Livros eram coisas raras e eu já tinha lido todos os que haviam na casa, fiquei feliz em folhear as revistas e recortar as matérias que achava mais interessantes. Aprendi sobre meditação, buracos negros, dimensões paralelas e, claro, abduções. Outra hipótese é que algum filme de ficção científica tenha ficado mercado na minha memória, em 1989 “Comunhão: Estranhos Visitantes” havia se tornado uma febre e é provável que tenha vindo para o Brasil alguns anos mais tarde, mas estou supondo e não acho que as datas façam sentido. Meu medo me parece ser mais antigo.
Não, eu não acho que tenha sido abduzido ou tenha tido qualquer tipo de contato. Até onde sei, as piadas sobre minha polidactilia são só piadas. Tão pouco duvido que tais coisas existam. Para que não me confundam com algum tipo de incrédulo, posso dizer que já vi o diabo, fantasmas e luzes no céu e nunca vou saber o que são memórias ou só histórias. Dos homens do espaço, porém, tenho apenas o medo, ancestral e inexplicável, mas bastante presente, e contra ele assisto todo tipo de documentário sobre o assunto.
Tenho uma amiga com medo parecido. Frequentemente trocamos links sobre histórias de contato, mas o medo dela é maior do que a sua curiosidade e parece que ela sempre se arrepende de ter visto algo que eu enviei. Por pura provocação, sigo dizendo que a invasão logo irá começar. Ela me xinga, trocamos emojis de alienígenas cinzentos.
Em 2015 eu fui sozinho para a chapada dos veadeiros, uma história que por si só já vale um livro e que em algum momento me levou para um hotel com uma grande nave espacial pousada na porta e estátuas de alienígenas em papel marchê espalhados pelos corredores. Sobre o balcão da recepção, um livro de relatos ficava aberto para que os hospedes escrevessem e lessem suas histórias de contato. Resistir era inútil. Assim como foi inútil tentar dormir aquela noite depois de folhear o livro, tendo que escolher entre o calor do serrado e a janela aberta para estrelas que podiam se mover a qualquer momento.
Nos dias que se seguiram, eu questionava a todos aqueles que encontrava pelo caminho se já tinham visto alguma coisa, para meu alívio e minha tristeza a resposta invariavelmente era que não.
Dormir sob o céu daquele lugar era como se agarrar ao teto sobre um mar negro e repleto de estrelas. Sentia que a qualquer instante a gravidade podia se esquecer de mim e eu mergulharia lentamente no céu profundo, sendo expelido pela rotação da Terra. Somava a vertigem da altura e a escuridão imensurável de uma caverna, imobilizando-me como um inseto em uma teia, com a sensação de impotência e aniquilamento de uma explosão atômica. Por quinze dias eu dormi olhando para aquele céu, vigiando as estrelas para que permanecessem em seus lugares, enquanto elas giravam tentando me sugar.
Sou um covarde. Tenho medo de aranhas, de altura, cavernas e guerras nucleares. Já tive medo de fantasmas, mas com eles eu fiz minhas pazes. Também tenho medo de abduções alienígenas. Medo que eles me levem de volta para casa.
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