Minha casa está desmantelada. Tenho os livros sobre o chão, com malas rasgadas e ferramentas sem uso. As paredes desnudas denunciam a cicatrizes da poeira. O chão geme a cada passo. Minha mesa já não comporta dois pratos, a macarronada de domingo não tem mais razão. O vinho guardado para um dia especial se perdeu entre tantas outras lembranças inúteis. Alguns quadros se partiram. Deram as costas ao cenário apocalíptico em protesto pela preservação do passado. Algumas fotos escaparam. Deslizaram pelo ar e se foram pela janela, pássaros mudos expostos ao frio. Mesmo a luz, que antes entrava pelas percianas dando ao mundo seu olhar dourado, agora é chumbada, mortiça, gelada como um bilhete de despedida. Minha casa está desmantelada, além de qualquer conserto. Com seus restos eu interpreto Victor Frankeinstein, costurando partes de corpos. Das estantes crio braços. O sofá transformo em pernas. Confio nos livros para dar ao meu monstro toda a sabedoria do mundo e das janelas altas, faço seus olhos para que ele jamais perca de vista o horizonte. Injeto em seus nervos internet banda larga é sinal de Wi-Fi, mas ele não se levanta. Ele não vive. O monstro que construo com os restos desmantelados de minhas tristezas é uma casca vazia. Existe sem alma, grotesco e maldito. Nada bombeia o seu sangue. Nada aloja o seu espírito.
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