Quando digo que o Teatro da Ira, meu primeiro livro, vai ser publicado, uma das perguntas mais freqüentes é: “Como você conseguiu isso tão rápido?”. A pergunta tem a sua justificativa. Oito meses depois de ter começado o meu livro, eu já lidava com a proposta de publicação de duas editoras, o que, claro me deixou bem feliz. Engana-se, porém, quem pensa que tudo isso tenha sido resultado destes meros oito meses de dedicação. Parafraseando Picasso, este livro é resultado de uma vida mais oito meses de trabalho. Eu vivo nesse universo a tantos anos que chega a ser ridículo mensurar o tempo, enfim.
Ter uma história na sua cabeça é ser assombrado por personagens. Meus fantasmas me horrorizavam a muitos anos e toda vez que um deles chegava a porta da minha casa eu dizia pra ele: “ainda não estou pronto”. Os anos se passavam enquanto eu continuava meus estudos, minhas leituras e meus planos sobre uma história que parecia a cada dia maior do que minha capacidade. As desculpas eram inúmeras. Faculdade, Trabalho, Promoção, Viagem, Mudança… Até lavar a louça se torna uma função vital quando você tem medo de uma tarefa, mas a menos que você queira lavar todos os pratos deste mundo, uma hora precisa se livrar das desculpas se quiser mesmo ser um escritor.
No ano passado eu me livrei das minhas últimas amarras e me preparei para publicar um livro. O verbo publicar é interessante, pois eu já havia me sentado para escrever diversas vezes na minha vida, mas daquela vez seria diferente. Eu me sentei com a resolução de que aquele livro seria publicado de uma forma ou de outra, mesmo que fosse por uma edição paga, ou uma impressão feita para presentear os amigos. Eu precisava me livrar daqueles fantasmas.
Já sabia que a tarefa não seria simples, meu currículo na época possuía uma centena de contos em diferentes estágios de revisão, um romance esquecido em uma gaveta e uma dezena de livros inacabados, sem falar nos cadernos de rascunhos e blogs abandonados, uma produção de 300 a 500 páginas por ano que não haviam me levado a lugar algum. Eu sabia que no instante em que eu começasse aquele livro, aquela voz que nos manda desistir a cada virada de página começaria a trabalhar, então eu bolei um plano.
Eu precisava de outra voz, que anulasse aquela voz que diz para largarmos tudo porquê têm copo sujo na pia. Mas de onde viria aquela nova voz? Foi quando o plano se cristalizou na minha mente. Aquelas histórias esquecidas nas gavetas, nunca tiveram a menor chance, pois nunca houve quem lutasse por elas. Ninguém sabe os seus nomes, ninguém nutre o menor amor por elas. Elas já haviam nascido mortas, pois eu as tinha condenado a vala comum dos indigentes, com clips tortos, bolachas murchas e outras tranqueiras esquecidas na gaveta de baixo. Tudo o que eu precisava para que não acontecesse o mesmo com o Teatro da Ira, era libertá-lo de sua prisão.
Foi quando surgiu o blog. A idéia de publicar em capítulos online, mais do que uma estratégia de divulgação, era uma maneira de me manter interessado no que estava acontecendo. A cada quinze dias eu era obrigado a ter um capítulo pronto. Parecia loucura (em alguns momentos foi mesmo), mas a velocidade da escrita se tornou o próprio motor que levava ao final e foi exatamente assim por 16 capítulos e seis meses da minha vida.
Claro que quem tentar se sentar na frente de um computador para escrever uma história, precisa se preparar antes. Então a chave de tudo estava na organização dos meus capítulos. Digo que não existe ferramenta mais importante no meu processo do que o mapa dos capítulos. Um resumo, capítulo a capítulo de tudo o que acontece na história, com todos os personagens. Praticamente nada é deixado ao acaso e se você consegue se poupar da pergunta “o que eu faço a partir deste ponto?” você consegue escrever muito mais rápido, saltando entre um acontecimento e outro, até o final.
Publicar em capítulos, no blog, wattpad e issue, acabou, de uma forma de outra, atraindo leitores. Eram esses leitores que, enquanto pediam pelos próximos capítulos, anulavam aquela voz chata que dizia que nada estava bom e que era melhor desistir de tudo. Foram esses leitores que também conseguiram o contato das duas editoras que estavam interessadas no Teatro da Ira, antes mesmo dele chegar ao fim. No meio do caminho, porém, a publicação que eu tanto queria, já era menos importante do que a necessidade de terminar o livro e me livrar daquele bloqueio mental que fazia tudo ser incompleto e imperfeito.
Seis meses depois de ter me sentado para iniciar o Teatro da Ira, ele já estava terminado e dois meses depois deste ponto final, a Editora Draco tinha se manifestado sobre sua publicação. O longo hiato que existiria logo após o seu termino nem existiu. Eu o terminei e comecei quase que imediatamente a trabalhar na sua edição, junto a editora.
Dia desses um amigo me contou sua idéia para uma história e me perguntou que livros ele poderia ler para saber mais sobre o processo de criação. Claro que sugeri alguns livros, tenho uma série deles na minha prateleira, mas achei melhor dar a ele o único conselho que acho válido para que um escritor termine a sua obra. Sente-se na frente da folha em branco e bata nessa desgraçada até que ela não tenha outra opção além de entregar dar a sua história.
A verdade é que, por mais tempo que se gaste se preparando, nós nunca estaremos prontos de verdade, então não existe outro jeito de se começar um livro do que se sentando e escrevendo. Faça a sua pesquisa, escreva seus rascunhos, teste seus personagens, mas assim que a louça estiver lavada, abra a porta da sua casa e deixe os personagens entrar. Escreva.
There are no products |