Tem gente que vem e fica. Tem gente que vem e vai. Tem gente que vem e traz e gente que vem e leva. Quando a musica acabar, quem foi você? De que adianta acumular tantas coisas, memórias de outra pessoa, presentes cujos fins se perderam, e que no final não preenchem as lacunas? De que adianta esse apego aos caminhos que não foram seguidos, levando consigo na bagagem os melhores amigos dos seus inimigos, se a resposta de tudo é o silêncio?
Tem gente que vem e traz. Deixa aos seus pés todas as histórias que não são mais. Aquelas lendas que passam de boca em boca, como beijos trocados em salas de cinema vazias. Trazem vida, trazem história, trazem sucessos, trazem animo. E quando se vão, deixam uma pilha tão grande acumulada em sua porta que você não vê saída exceto a janela. Ou pior, o oposto, que leva tudo, sugando sua alma até o caroço, te deixa vazio na espera de um telefonema, a bunda gelada no sinteco frio. Isolado e radioativo. Leva seus móveis, leva seus livros, os DVDs que você nunca assistiu, os presentes que você sempre odiou. Leva sua família, leva seu carro, seu sangue e sua alma e o que restava da sua sanidade.
Os budistas dizem que na vida nós temos que perder tudo três vezes, para termos a chance de começar de novo. Quem é você, quando sua campainha não toca? Com quem você fala quando se torna invisível? O que você assombra, quando ouve uma piada mas não tem a quem contar?
As vezes é como estar preso do outro lado do espelho, assistindo a vida se arrumando para a festa. Ela usa maquiagem demais, uma saia muito curta e bebe a felicidade de uma garrafa de vinho, te encarando por 15 minutos na esperança de acreditar na própria mentira. Levando tudo, sem possuir nada. Com o mesmo sorriso gentil com que limpa a mão depois de te cumprimentar. Aquela gentileza fria, de bilhetes de agradecimento.
Egoísmo e generosidade, não são valores absolutos. Se contradizem entre uma vida e outra. Seu egoísmo pode levar lágrimas de agradecimento a quem tem menos enquanto sua generosidade pode matar um continente de fome. A verdadeira generosidade exige sacrifícios que poucos tem coragem de fazer. A verdadeira luta é por ser grato. Equivalente. Neutro. Por encontrar no silêncio que se segue ao bip do microondas a voz que ainda fala contigo. Comer por comer. Andar por andar. Esperando a vida sair pela porta, enquanto apaga a luz do quarto. Esperando o espelho quebrar. Tem gente que vai e fica.
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