Seis coisas que o seu livro de fantasia não precisa
On January 27, 2022 | 0 Comments

Hoje vamos falar sobre seis coisas que o seu livro de fantasia NÃO precisa, mas antes de começar, um aviso: essa lista não tem nenhum valor legal, nem constitui nenhuma regra. Ao contrário disso, serve para desconstruir algumas instituições estabelecidas como obrigatoriedade em livros de fantasia. Se você já usou um ou mais destes itens em seu livro, não se desespere, eu mesmo já usei vários deles em minhas histórias, aqui apresento as razões pelos quais eu acredito que devemos repensar o quanto tudo isso é necessário. Vamos a eles.

1. Prólogos

person holding compass
Photo by Valentin Antonucci on Pexels.com

Eu já adorei ler prólogos, mas hoje eu pulo essas páginas sem o menor peso na consciência. Não quero ler um longo resumo sobre a história antes da história. Quero entrar de cabeça no que está acontecendo agora. A fundação de uma cidade de dois mil anos não me interessa, exceto como curiosidade turística. Quero andar pelas suas ruas, quero sentir o cheiro das especiarias e interagir com os vendedores. O prólogo é um infodumping legalizado, uma maneira rápida de se introduzir muita informação em um curto espaço. O problema é que na maioria das vezes essa história tem pouco ou nenhuma relação com o restante do livro e quando tem, acaba ficando separado do restante da história e se perde. O ideal é que o livro comece pela sua unidade mais básica: o personagem. A partir de um personagem e da atenção que ele recebe, as informações sobre o cenário podem vir surgindo gradualmente, na própria trama do enredo, aproveitando o espaço daquelas cenas que precisam acontecer, mas parecem pobres. Em uma conversa na beira da fogueira, uma história engraçada sobre um rei do passado. Nas ruínas destruídas de uma floresta, as inscrições sobre a grande cidade que agora não existe mais. Ao invés de tentar enfiar milênios de informação na cabeça do leitor logo de cara, entregue só as porções que ele precisa para entender a sua história e deixe que ele conclua o resto.

2. Cosmologia

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Adoro mitos sobre a criação do mundo, mas o quão eles são necessários para a sua história? Nós não precisamos saber toda a história de Adão e Eva para contar uma história sobre um arqueólogo que soca a cara de nazistas, será que realmente precisamos saber a origem de todas as raças do seu mundo antes de começar a sua aventura? A menos que a história gire exatamente sobre algum problema ou solução envolvendo um evento da criação do mundo (exemplo, no passado remoto Deus criou Lilith como a primeira mulher e agora ela quer vingança por ter sido deixada de lado), não perca muito seu tempo escrevendo um livro da gêneses. Aqui vale a mesma regra do prólogo (inclusive, muitas vezes é no prólogo que vem a cosmologia da história); dê o suficiente para que o leitor entenda o contexto e deixe ele completar o resto. Falando em cosmologia, lembrem-se: culturas diferentes, tem lendas diferentes. Incluir pontos de vista diferente sobre passagens obscuras do seu cenário, irá enriquecer MUITO o que você tem a dizer.

3. Mapas

woman looking at the map
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A polêmica aqui não é sobre a criação do mapa. Um mapa pode ser a ferramenta ideal para um autor se localizar, principalmente quando o seu cenário é complexo e ele precisa deslocar os personagens de um lado para o outro, mas um livro de fantasia não pode se apoiar em seu mapa. O leitor precisa viajar pela história através das palavras, se ele precisa consultar o mapa o tempo todo é sinal de que a história está confusa e precisa ser revista. A mera existência de um mapa em um livro pode servir como distração do que realmente importa, a imersão do leitor nos acontecimentos. Mapas são legais e são lindos, mas não devem ser usados como muleta para o autor.

4. Ficha de personagens

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Aqui cabe a mesma lógica dos mapas. É trabalho do autor infiltrar na mente do leitor a figura dos personagens. É através da descrição, dos trejeitos, das falas que vamos aprendendo e nos afeiçoando a cada personalidade que faz parte da história. Uma longa ficha, com desenhos e longas descrições pode ser algo extremamente útil para o autor, mas aquela informação precisa ser diluída ao longo da história, conforme a sua necessidade e não memorizada como uma carta de super trunfo (ok, sou velho, pode ser Digimon, melhorou?). Se o livro tem muitos personagens que se misturam, criar uma sessão de reconhecimento no livro não vai ajudar em nada no andamento da história. Respire, entenda, o que está confundindo as pessoas. Talvez dois personagens com características semelhantes possam ser transformados em um só. Talvez você precise trocar o nome de um personagem, ou dar a outro uma característica única, que o fará diferente dos demais. Mantenha a ficha de personagem como uma ferramenta do autor, não uma muleta para o leitor entender a história.

5. Glossário

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Muitos livros de fantasia possuem palavras e topônimos e para traduzir isso ao leitor a solução da maioria dos livros de fantasia é criar uma lista no fim de cada livro explicando cada um dos termos. Parece até meio lógico, se você pensar, que exista uma nota de rodapé para cada palavra escrita em élfico arcaico, certo? A resposta curta é: não. Como a maioria das outras coisas é importante que o leitor entenda o significado dos termos através do contexto da frase. Se durante uma briga de bar o anão esmurrar um orc na cara enquanto diz: seu filhote de cragtuar. Você não precisa saber quem ou o que é um cragtuar para entender que não é um elogio. Isso abre outras possibilidades interessantes, como um personagem ganhar um apelido e passar a história toda achando que Pequeno cragtuar é um tratamento carinhoso. Aqui a regra é a repetição. Se você repetir o termo o suficiente, as pessoas entenderão do que se trata pelo contexto. Se o termo só aparece uma ou duas vezes, vale mais a pena explica-lo imediatamente do que fazer com que o leitor consulte um glossário. Quanto mais tempo o leitor gasta na sua página, sem pesquisar, melhor.

6. Continuação

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Sei que vai parecer hipocrisia dizer isso enquanto termino o segundo volume de Chamas do Império, mas é verdade. Seu livro não precisa de continuação. Faltam no mercado, livros de um único volume. Existem muitas histórias boas que podem ser contadas sem uma trilogia e, vai por mim, talvez você não queira se comprometer por tanto tempo assim com uma única história. Chamas do Império sempre foi idealizado como uma série de livros independentes, que fecham um arco, mas acredito que se fosse hoje em dia, eu esqueceria essa história de uma vez e me concentraria em escrever histórias isoladas sobre os personagens. Os e-books e a leitura dos celulares criaram um mercado de histórias curtas que apenas começou a ser explorado. Não necessariamente contos, mas noveletas e livros solos, que podem ser lidos sem um comprometimento muito grande do leitor. Minha aposta é que nos próximos anos essa tendência vá se expandir. Para o autor isso é ótimo. O tempo investido em uma história curta é menor o que lhe permite arriscar mais, errar mais e encontrar o seu caminho com maior confiança. Sim, nós sabemos que você tem capacidade para contar a história de 10 gerações de uma mesma família em sua luta pela cristandade, mas a chance do leitor se apegar tanto a um autor desconhecido para esperar até a conclusão da saga é bastante remota e as editoras sabem disso, assim como sabem que nem todos os autores concluem suas sagas. Ninguém quer morrer com o volume 1 de uma saga de 15 livros que não teve fim.

Bônus

Como eu disse anteriormente, não se tratam de regras, mas de algum conhecimento que acumulei ao longo dos anos de experiência do mercado e acompanhando as tendências ouvindo os editores internacionais. Cada caso deve ser analisado individualmente pelo próprio editor da obra para entender o que vale mais a pena e não se desespere se você gastou seu tempo e dedicação pensando na melhor cosmologia já criada e em um mapa mais detalhado do que o Google Earth (eu compartilho da sua dor). Esse conteúdo teve a sua necessidade para cristalizar a história em sua mente, e apensar de não ser necessário para a estrutura do seu livro, pode ser uma excelente curiosidade para você publicar como material extra no seu site, para consulta daqueles seus leitores mais interessados. Pense nisso. Na escrita nada se perde, tudo se transforma.

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