A importância das metas
On February 5, 2018 | 0 Comments
A importância das metas |

Certa vez eu estava sozinho na praia, o hotel onde estava hospedado ficava a um quilometro e meio do centro da cidade, uma caminhada tranquila pela areia. Era uma noite bonita e sem lua e eu tinha bebido demais, sentindo muita pena de mim por causa de algumas escolhas infelizes. Resolvi voltar andando para deixar o álcool evaporar enquanto colocava os pensamentos em ordem, mesmo com todos os riscos de assalto e dos avisos para evitar entrar no mar nas minhas condições (eu literalmente mal parava em pé). Me virei para o norte, mantive o barulho do mar do meu lado direito e as falésias da praia do meu lado esquerdo e segui em frente. Pelos meus cálculos aquele quilometro e meio coincidiria com a luz de um poste que eu via logo adiante. Era aquela a minha meta.

Apesar dos feedbacks extremamente positivos sobre O Teatro da Ira e O Gigante da Guerra, o número de vendas não foi grandes coisas nos últimos meses. Como todo autor sabe, o livro tem um pico no lançamento e depois vai lentamente esfriando a medida em que o mercado vai se preenchendo. O resultado final é quase sempre imprevisível e frustrante, com o autor esperando que o livro alcance muito mais pessoas do que ele conseguiu.

Conversando com outros autores, a tendência pareceu se replicar, com algumas poucas e felizes exceções como o sucesso estrondoso do novo livro do Felipe Castilho. Outros autores começaram a sentir o peso de todo o trabalho que fizeram através dos anos, ameaçando parar por um tempo ou mesmo se dedicar a outro gênero, acreditando que a grama do vizinho anda mais verde (livros de terror, vampiro, distopias adolescentes e livros hot são os gêneros mais citados como sucesso de vendas, embora eu tenha lá as minhas dúvidas sobre isso).

Apesar de ter me imposto uma meta de escrita e outra de leitura para este ano, não pensei em nenhuma meta de vendas. Este é um universo estranho para mim. Sempre acreditei que se eu fizesse o meu melhor seria o suficiente para que o livro se vendesse sozinho, mas a verdade do mercado é muito mais complexa e hermética do que eu poderia sonhar. É difícil saber como as coisas funcionam, o que pode acabar frustrando alguns. Eu escolhi focar nas coisas que eu consigo controlar e naquilo que eu posso alcançar. Montei minhas metas no que esta sobre o meu governo: as coisas que eu leio e as coisas que eu escrevo. Dali em diante não cabe mais a mim.

Fim de ano todo mundo se senta para rever os planos do ano seguinte, comigo não foi diferente. O ano passado foi um ano complicado, onde finalmente tomei coragem de encarar alguns demônios de frente, um processo longo e penoso que demorou a dar frutos e que custou boa parte da minha produção literária e duas pequenas fortunas, diga-se de passagem. Eu não queria que o mesmo acontecesse com 2018 e me sentei para fazer uma lista de ano novo. A lista, que circulou pelo instagram e pelo facebook (vocês estão me seguindo, não é?) colocava algumas metas impossíveis de realizar para 2018. Um artigo por semana, um conto por mês, um livro por semestre, 500K palavras escritas em um ano, uma meta digna de Stephen King e seu grupo de copydesks. Cumprir tal tarefa era um sonho, principalmente levando em conta as minhas 12 horas de trabalho diárias, os dois passeios da minha cachorra e os favores que eu costumo prestar aos amigos em projetos paralelos (olha só que capa bonita eu fiz para a Cláudia Dugim), mas eu precisava tentar. Tentar me obrigaria a escrever. Tentar me forçaria a sair da inércia e era isso tudo o que eu precisava.

Com o fim de janeiro já posso dizer com toda certeza que não cumpri o desafio global de número de palavras, mas cumpri com bastante prazer as tarefas do mês. Um conto, uma resenha e quatro artigos. Aproximadamente 23K palavras. Menos da metade do que eu tinha em mente, mas ainda o suficiente para eu me orgulhar. As Chamas ainda vivem.

O ano começou também repensando vários conceitos sobre o universo de Qaran e sua história, alguns deles surgiram aqui no artigo passado sobre magia, outros estão se organizando em contos e artigos futuros. Difícil fazer promessas, tenho uma grande imagem que vêm tomando forma aos poucos a medida em que as pequenas peças vão encontrando o seu lugar. Passei dias imerso na travessia dos conquistadores do oeste, quando chegaram a Karis, percebendo com assombro os detalhes que meu subconsciente já havia definido. Fui tentado a atravessar a São Paulo dos anos cinquenta, com um sambista da Lapa enquanto investigava o desaparecimento de um imigrante alemão, mas fui brutalmente trazido de volta a uma batalha que acontecia muito antes da fundação do Império e que dividiu um povo em dois. Tudo vem se encaixando através de detalhes tão pequenos que me causam surpresa quando alguém os percebe ao acaso, mas o melhor de tudo, as coisas estão seguindo em frente.

Depois de horas andando sempre na mesma direção, na escuridão quase completa o álcool começou a evaporar da minha mente. Não o suficiente para que eu começasse a pensar direito, mas ao menos o necessário para eu perceber o quanto estava cansado. Precisava dormir o hotel não chegava nunca. O poste parecia a cada passo mais distante. Resolvi que valia a pena escalar a falésia para ver se enxergava quanto realmente faltava para o Hotel. Não havia trilha, eu escalei enfiando a mão na terra e ralando o joelho no chão. Cheguei ao topo me agarrando ao mato alto e engolindo a areia grossa soprada pelo vento. Vi a praia lá embaixo tentando reconhecer qualquer coisa da paisagem. Olhei ao redor procurando pelo hotel, mas ele não estava ao norte. De alguma forma eu havia passado por ele. Na verdade, eu tinha andado tanto que estava mais longe do hotel do que estava quando saí do centro da cidade. Estava confuso, tinha certeza de que não havia passado nenhum poste. Olhei novamente para o norte para ver onde tinha errado e lá estava meu guia. Ainda muito a frente. De fato, tão a frente que não podia ser um poste. Aquele tempo todo eu vinha tentando alcançar uma estrela.

Metas são importantes não porquê você pode alcança-las, mas porquê te dão uma direção para o qual caminhar. Em 2018, ponha-se a caminho de sua estrela.

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