Aquelas três palavras
On January 26, 2016 | 0 Comments
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Existe um momento, um pouco depois da loucura e paixão criativa – em algum lugar entre o segundo e o terceiro tratamento – em que todo seu trabalho parece perdido. As palavras parecem desconexas, os capítulos se constroem fora de ordem. Cenas inteiras pedem para ser incluídas e outras tantas exigem serem cortadas. O tempo parece curto, a paciência ainda mais curta, os diálogos soam monótonos e as descrições fazem menos nexo do que um poema dadaísta. Você respira, toma água, toma ar, toma uísque, toma no rabo, só não toma juízo. Continua ali, perdido no meio das frases, tentando montar um quebra-cabeças abstrato cuja imagem final você nem imagina. Tira dias inteiros de folga, achando que se descansar vai conseguir enxergar e os passa invariavelmente se sentindo culpado por não estar escrevendo. Passa semanas inteiras escrevendo, achando que vai domar o livro no braço, e passa cada minuto desses dias arranhando os pensamentos, com não mais do que uma ou duas palavras que fizessem sentido. Daí você não vê outro jeito exceto desistir. O texto venceu, você não foi bom o suficiente. Sonhou alto demais. Você não foi digno. Não mereceu. As musas te sondaram e te rejeitaram e você pode voltar a latrina onde mergulhava suas histórias. É o fim. Você precisa comunicar ao mundo seu completo fracasso. Precisa dizer ao editor que não vai dar certo. Que precisa de mais prazo, ou que prazo nenhum será suficiente para arrancá-lo do lamaçal que você encheu com suas próprias lágrimas. Você guarda esse pensamento por alguns dias, reunindo coragem de assumir sua incapacidade. O ego se debatendo como um animal acuado pronto a saltar na garganta de qualquer um que passasse pela sua frente. Você não serve para isso. Você não tem talento. Você não devia ter tentado. Você devia ter ficado no seu trabalhinho diurno, com um chefe lhe cagando a cabeça, com salario fixo todo mês, uma hora de almoço, happy hours para reclamar da semana. Você devia ter queimado todos os livros, todos os cadernos, todos os lápis, todas as histórias, todos os pensamentos, uma grande pira funerária onde você devia ter deitado para transformar em cinzas seus ossos e seus sonhos. Pegue o telefone, ligue para o editor, ouça a chamada bater do outro lado como uma visita indesejada, o click, o alô, o bom dia, sorria, diga seu nome, respire fundo e comente o assunto. Pense bem no que você deve fazer. Três palavras e você se livra do fardo, três palavras e você pode voltar a ser quem era. Três palavras, seu queixo tremendo. Basta dizer três palavras. “Estou quase acabando.” Alguém diz por você. Do outro lado o editor sorri, agradece, diz que está louco para ler ou qualquer outra coisa que te apunhala com a alegria de um serial killer. Ele sabe a verdade, claro que ele sabe. Mas não vai dizer mais nada. O telefone fica mudo. Você está novamente sozinho. O livro aberto sobre a mesa. As musas se oferecendo como prostitutas baratas, seu ego balançando o rabo de língua de fora. Só mais um pouco, você se convence. Só mais uma cena e então você desiste. Mente. Você sabe que é mentira, mas repete mesmo assim. E então acontece.

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